terça-feira, 30 de junho de 2009

DIETRICH BONHOEFFER E O SOFRIMENTO ALHEIO

Por Jones Mendonça

Há alguns dias eu tentava convencer um grupo de amigos que o modelo capitalista neoliberal era injusto. Esbravejei que o modelo econômico atual estimula o egoísmo e o consumo, promovendo desigualdade e alienação. Alguns se opuseram à minha crítica, dizendo que “quem quer ser alguém precisa correr atrás”. Até me relataram um caso noticiado na mídia de um mendigo que foi aprovado num concurso público. Se ele foi capaz, diziam eles, qualquer pessoa também consegue.

A frase dita pelos meus amigos é repetida todos os dias por inúmeras pessoas e reflete o quanto incutimos na nossa cabeça o espírito competitivo e a indiferença em relação aos “perdedores”. Fiquei pensando nas crianças pobres do Ceilão, nas adolescentes vendidas pelos pais para casas de prostituição no norte do país, nos trabalhadores chineses de algumas províncias, que sequer podem se comunicar entre si e que recebem seus salários com seis meses a um ano de atraso. O mendigo que passou no concurso está de parabéns, mas transformar exceção em regra é uma das falácias mais ingênuas. Só quem vive a dor do desprezo, da indiferença, do abandono dos pais e do preconceito sabe o quanto é difícil eliminar as marcas que elas produzem.

Certa vez participei de um trabalho social onde eram entregues cobertores e roupas a moradores de rua. Quando entreguei determinada peça de roupa a uma mulher envolta em trapos, a primeira coisa que fez foi olhar a etiqueta da peça. Após uma análise rápida a mulher recusou a minha bondosa doação. Inicialmente fiquei indignado com aquela atitude, mas depois comecei a pensar no porque dela ter agido assim.

Com sua recusa ela revelou que mede as pessoas como nós, ou seja, pelo status, pela marca. Apesar de não seguirmos o modelo social dos hindus, temos a casta dos favelados, dos sem teto, dos moradores da zona sul, da baixada e assim por diante. Na nossa sociedade cada qual é medido pelo que possui. Seu desejo por poupas “de marca” revela algo que estava no fundo de sua alma: o desejo de ser como todos os outros. Aquela mulher carregava uma marca, a marca do desprezo. Ela queria apenas trocar a marca do desprezo pela marca do sou-como-os-outros. Sua atitude revelou não apenas como ela é, mas como eu sou. Mas só pude perceber isso quando me coloquei em seu lugar. Isso me fez lembrar de um trecho do livro “Resistência e submissão” de Dietrich Bonhoeffer”:

“Deve-se levar em conta que a maioria das pessoas somente aprende com as experiências feitas por elas próprias. Isso explica, em primeiro lugar, a espantosa incapacidade da maioria das pessoas para uma ação preventiva de qualquer tipo – cada uma continua acreditando que vai escapar do perigo até que acaba sendo tarde demais; e, em segundo lugar, a insensibilidade diante do sofrimento alheio”[1].

Sim, Bonhoeffer tinha razão!



[1] BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão, p.39.

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