terça-feira, 29 de setembro de 2009

QUAL A ORIGEM E O SIGNIFICADO DO YOM KIPPUR?

Por Jones Mendonça

A expressão hebraica yom kippur é traduzida literalmente por “dia da expiação” (כִּפֻּר יוֹם), onde yom significa “dia” e Kippur significa “expiação”. O texto de Êxodo 29,36a mostra essas duas palavras em seqüência – “Também cada dia (yom) oferecerás para expiação (kippur) o novilho de sacrifício pelo pecado...”.

Mas se a expressão significa “dia da expiação”, por que é comumente traduzida por “dia do perdão”? Acontece que a palavra kippur vem da raiz verbal kapar (cobrir). Esta palavra aparece pela primeira vez no Antigo testamento em Gn 6,14, quando Noécobre” de betume a arca. Como os hebreus tinham poucas palavras para expressar as mais diversas idéias e objetos, esta palavra adquire na maioria das vezes um sentido teológico, expressando a ação misericordiosa de Deus em ocultar ou cobrir o pecado do povo. O sacrifício tinha assim um caráter “expiatório”, ou seja, o animal morria em lugar do pecador, que tinha os seus pecados cobertos simbolicamente pelo sangue derramado.

A crucificação de Jesus é entendida pela tradição cristã como sendo expiatória. Cristo representa o cordeiro imaculado (sem culpa) que morre pelos pecados da humanidade.

Na tradição judaica o yom kippurrelembra a história de quando Moisés desceu do Monte Sinai para encontrar Arão e os israelitas que admiravam o bezerro de ouro[1], nos diz Katherine Neer. Neste período o judeu busca se tornar melhor praticando o teshuvah (penitência) tzedakah (caridade) e o tfiloh (oração). Alguns judeus praticam o kapparot (leia a matéria abaixo), um ritual que simboliza a compensação pelos pecados. Ele pode ser feito com dinheiro, que é balançado dentro de um lenço branco sobre a cabeça, ou sacrificando uma galinha ou um galo. O dinheiro e o animal morto são entregues na maioria das vezes à obra de caridade.

No dia do perdão os judeus praticam um jejum de 25 horas (comida e bebida), abstêm-se do banho de ducha, do uso de perfumes, de sapatos de couro e da atividade sexual. Essas recomendações encontram-se no Talmude, livro sagrado dos judeus, composto por discussões rabínicas a respeito da Lei, da ética, e dos costumes do judaísmo.

Bibliografia:
VINE, W.E.; UNGER, M. F.; WHITE JR, W. Dicionário Vine. Tradução de Luís Aron de Macedo Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

Katherine Neer. "HowStuffWorks - Como funciona o Yom Kippur". Publicado em 01 de outubro de 2003 (atualizado em 18 de julho de 2008). http://pessoas.hsw.uol.com.br/yom-kippur2.htm (29 de setembro de 2009).

E-SWORD, VERSÃO 9.5.1: The sword of the Lord with eletronic edge. http://www.e-sword.net/downloads.html.

Crédito da imagem:

Maurycy Gottlieb

Judeus rezando numa sinagoga no Yom Kippur (1878, Viena).
Óleo sobre Tela
96 1/2 x 75 1/2 in. (245.1 x 191.8 cm.)
Tel Aviv Museum of Art

Nota:
[1] Katherine Neer. "HowStuffWorks - Como funciona o Yom Kippur". Publicado em 01 de outubro de 2003 (atualizado em 18 de julho de 2008). http://pessoas.hsw.uol.com.br/yom-kippur2.htm (29 de setembro de 2009).

JUDEUS USAM GALOS E GALINHAS PARA EXPIAR PECADOS ÀS VÉSPERAS DO YOM KIPPUR

Esta é minha mudança, este é meu substituto, esta é minha expiação”, murmuram os fiéis judeus enquanto dão três voltas por cima de suas cabeças com um animal que, minutos depois, é morto como forma de expiar os pecados. No ritual das Kaparot, uma expiação simbólica dos pecados, milhares de galos e galinhas são degolados em Israel para lembrar os judeus que, a qualquer momento, Deus pode tirar a vida como forma de compensação por seus pecados.

As mulheres usam galinhas; os homens, galos; e as grávidas, um exemplar de cada um. As Kaparot são vividas nos dias anteriores ao Yom Kippur, a data mais solene do judaísmo, destinada ao arrependimento e ao pedido de perdão.

Neste momento do ano, que é nosso Ano Novo Judaico (Rosh Hashana), uma das coisas que fazemos é começar uma vida nova e refletir sobre o que fizemos no passado”, explica à Agência Efe o judeu de origem americana Menachen Persoff antes de fazer suas Kaparot.
Pegamos uma galinha e dizemos: 'Em vez de que eu seja castigado e destruído neste mundo, deixe que seja esta galinha'. E então temos que pensar que, quando essa galinha morre, poderíamos ter morrido em seu lugar”, acrescenta.

Para Persoff, as Kaparot são uma oportunidade para “ser uma pessoa melhor, pensar nas coisas que fizemos de errado e fazer as coisas de um jeito melhor no futuro”.
Depois que a ave escolhida - que deve ser branca, para simbolizar a purificação do pecado - é girada sobre a cabeça, o animal é degolado com um rápido e certeiro movimento com uma faca afiada cuja lâmina não pode ter a menor fenda, seguindo os preceitos judeus do “kashrut”.


Os penitentes costumam doar as aves mortas para a caridade se têm uma boa situação econômica. Caso contrário, as levam para comer em casa.

Alguns criticam os que comem ou doam as aves aos pobres ao entender que os pecados de quem toma parte no ritual foram transferidos ao animal e, portanto, este não deve ser comido.

Após o ritual, as vísceras das aves devem ser colocadas em algum lugar onde possam servir de alimento a outros pássaros, a fim de demonstrar piedade em relação a todas as coisas vivas.

“Nas Kaparot, rezamos para ser perdoados. Nos mostramos envergonhados diante de Deus e lembramos que ele pode nos tirar a vida, mas nos dá a oportunidade de pedir perdão”, aponta a judia ultraortodoxa Devorah Leah.
Para ela, esta tradição ajuda a “pensar com mais profundidade” sobre si mesmo e seus atos.

Na antiguidade, as Kaparot eram feitas com cabras, o que deu origem à expressão “bode expiatório”.

Hoje em dia, mamíferos não são usados, mas se não é possível ou não se quer usar galinhas ou galos, estes podem ser substituídos por qualquer outra ave, exceto pombos - para não lembrar os ritos de sacrifício no templo -, ou mesmo por um peixe.

Também são muitas as famílias que fazem as Kaparot com dinheiro que depois é doado aos pobres.

O fato de os rabinos permitirem que o rito seja celebrado sem necessidade de matar animais é o principal argumento das organizações defensoras dos animais contra esta prática, que consideram como cruel e abusiva.

“Muitos religiosos argumentam que não há motivo para fazê-lo com dinheiro quando se pode matar uma galinha, porque estas não sofrem. Mas isso não está certo. Todo mundo sabe que os animais têm sentimentos e querem viver, igual a nós”, diz Gene Peretz, uma jovem estudante vegetariana que se manifesta em Jerusalém contra o uso de animais vivos nas Kaparot.

Frente a esta postura, os seguidores da tradição, como Leah, argumentam que “os animais estão na terra para ser utilizados pelos seres humanos, sempre que seja de modo correto”, e que comer “os animais que Deus nos deu é uma forma de fazer com que o mundo seja mais espiritual”.

Fonte: EFE/Notícias Cristãs

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

“NUNCA DEFENDI O CRIACIONISMO”, DIZ MARINA SILVA SOBRE ENSINO EM ESCOLAS

Cotada como possível candidata à Presidência da República em 2010, a senadora Marina Silva, do PV, afirmou nesta segunda-feira (21) que nunca defendeu o ensino do criacionismo nas escolas, apesar de acreditar na teoria de que o mundo foi criado por Deus.


Nunca defendi o criacionismo e no Brasil não existe ninguém fazendo esse movimento. Essa é uma transposição artificial de um debate que ocorre nos Estados Unidos. Não tenho uma teoria sobre o criacionismo. Apenas acredito em Deus e que Deus fez todas as coisas”, disse, em entrevista programa “Roda Viva”, da TV Cultura.


Maconha e aborto

No programa, a senadora disse ser contra a descriminalização da maconha. Para ela, a liberação da droga não resolveria o problema do tráfico e dos usuários.


"Acho que não vai dar conta. Sou contrária à descriminalização, inclusive conversei com o Gabeira [deputado Fernando Gabeira, do PV]. Mas isso não me impediu de ir fazer a campanha dele no Rio", respondeu.


Questionada sobre a legalização da maconha e do aborto, a senadora afirmou que esses temas devem ser tratados pelo Congresso. "É uma decisão [sobre o aborto] que deve vir do Congresso, que envolve questões éticas, morais, espirituais, de direito. (...) Eu não tenho uma visão daqueles que simplesmente ficam satanizando e tratando como questão moral."


Eleições 2010

Marina Silva, que não se declara candidata nas próximas eleições, fez elogios a políticas adotadas no governo Fernando Henrique Cardoso, como o Plano Real e o aumento de reservas legais na Amazônia. Para ela, o governo Lula deu sequências a certas políticas tucanas e as aprofundou.


O desafio agora, segundo a senadora, é alcançar a sustentabilidade. "O delta mais é a sustentabilidade. Como continuar com a inclusão necessária? Continuar no sentido da inclusão produtiva, com alto investimento em educação para que os jovens não tenham que depender ad infinitum do Bolsa Família."

A senadora passou a ser cotada como candidata após deixar o PT e ingressar no PV. Ela afirmou, no entando, não ter "ilusão" quanto à nova legenda.

"Acredito em processos em que as pessoas são capazes de estabelecer os diálogos mesmo com as diferenças. (...) Fui para o PV sem a ilusão de que o PV é um partido perfeito. Não é um partido perfeito, nem o PT é um partido perfeito", disse.

Pré-sal
Questionada sobre o pré-sal, apresentado na pergunta de um jornalista como um dos principais ativos de uma possível campanha da ministra Dilma Rousseff, do PT, Marina Silva disse que a proposta apresentada pelo governo para a exploração é "razoável", mas criticou a supervalorização das descobertas.

"Não podemos fazer a deificação do pré-sal. As pessoas falam como se começasse a jorrar petróleo agora. Vai levar 20 anos. Ele tem que ser utilizado muito mais para produzir conhecimento e inovação tecnológica que nos faça transitar desse modelo de combustível fóssil", afirmou.

Fonte: G1/Notícias Cristãs

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Por Jones Mendonça


No domingo último uma multidão de fiéis das mais diversas religiões se reuniu num protesto contra a intolerância religiosa (leia a notícia abaixo). Fiquei pensando em algumas questões: será que todos os participantes tinham o mesmo propósito? O que motivou a organização do evento? E mais: O que é intolerância religiosa?


É de conhecimento público que a Rede Globo trava uma batalha contra a Igreja Universal, famosa por seus ataques diretos às religiões de origem africana. Seria o evento uma artimanha sutil da Globo para tirar a força da igreja de Macedo? Para mim pouco importa. Ainda que o evento tenha o “dedo” da Globo, a questão levantada pelo evento foi legítima. Não é raro ouvir sermões de evangélicos que ultrapassam os limites do bom senso.


Adeptos do candomblé, umbanda e quimbanda não agüentam mais ser tratados como religiosos de segunda classe. No meio “gospel” (que diferencio do termo “cristão”) os adeptos de religiões vindas da África são considerados adoradores dos demônios que fazem “trabalhos” para prejudicar outras pessoas. Essa é uma visão preconceituosa. Quando ouço alguém dizer que todas as religiões evangélicas são iguais sinto-me ofendido (e esse foi um motivo justo para que os evangélicos participassem do evento). Certa vez eu tentava explicar para algumas pessoas na igreja que há diferenças significativas entre a umbanda, candomblé e quimbanda. A resposta que obtive? “é tudo farinha dos mesmo saco!”. Confesso que minha convicção religiosa está em desacordo com muitos pontos dessas religiões, mas preciso respeitá-las.


Vez por outra encontro algum pastor reclamando por ter sido discriminado. Alguns relatam terem sofrido discriminação em tribunais, em estabelecimentos comerciais, na rua e até mesmo nas próprias igrejas. É isso o que acontece quando tratamos todos como se fossem “farinha do mesmo saco”. Se não queremos isso para nós porque tratar os outros assim?


Li um comentário de um leitor de jornal que dizia que o verdadeiro interesse da presença secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, no evento, foi o de chamar atenção para a proibição da realização de culto evangélicos nos trens. Não tenho condições de avaliar a verdadeira intenção da secretária. Mas caso isso seja verdade, seria tal proibição um ato de intolerância? Se quisermos realizar cultos nos vagões precisamos permitir que outros também o façam. Acho que seria bem desagradável viajar em vagões superlotados com batuques, pandeiros, gritos de aleluias, axés, incensos e velas perfumadas. A maioria dos passageiros dos trens está indo para o trabalho, acorda cedo e deseja um pouco de sossego até chegar ao seu destino.


Entendo que o primeiro passo para a tolerância religiosa é buscar compreender melhor as religiões que nos cercam, lembrando que compreender não é o mesmo que concordar. O segundo passo é buscar dialogar com essas religiões. Só não dialoga aquele que se acha o único portador da verdade. Se já temos a verdade porque ouvir outras opiniões? Se já temos a verdade em que outra pessoa pode nos acrescentar?


Na época de Jesus os intolerantes eram os fariseus, saduceus, escribas, anciãos e sacerdotes, que na sua arrogância religiosa levaram para a cruz alguém que enxergava virtudes em pessoas julgadas impuras e desprezadas. Assim foi com a mulher sírio-fenícia, uma pagã que achava que só pela graça divina podia ser ouvida nas suas aflições. Assim foi com o centurião romano, que apesar de pagão manifestou uma fé que nem em todo o Israel Jesus encontrou.


Efatá!

Crédito da imagem:

BELLINI, Giovanni

Crucificação
1501-03
Oléo sobre tela, 81 x 49 cm

Coleção privada

sábado, 19 de setembro de 2009

O EVANGELHO ÁRABE DA INFÂNCIA DE JESUS

Transcrevo abaixo um trecho do Evangelho árabe da infância de Jesus (cap. 46):

"Certa noite, o Senhor Jesus voltava à noite para casa com José, quando uma criança passou correndo na sua frente e deu-lhe um golpe tão violento que o Senhor Jesus quase caiu, e ele disse a esta essa criança: 'Assim como tu me empurraste, cai e não te levantes mais'. E no mesmo instante, a criança caiu no chão e morreu'[1].

É um Jesus bem estranho, você não acha?

[1] PROENÇA, Eduardo de (org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 467.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O ESTRANHO MUNDO DO MERCADO GOSPEL

E o mercado gospel não para de crescer:


Porta-pílulas (para que tem pouca fé!) por $12,00



"Aromatizador de unção" para carros por apenas $3,00



A bandagens com “unção de cura” custa $5,00




Batom “apaixonados(as) por Jesus” por $5,00


Fonte: evolvefish.com/fish/misc-ss2.html


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ESPÍRITOS MALIGNOS, ANJOS CAÍDOS, LARVAS E ESPÍRITOS IMUNDOS: UMA BREVE HISTÓRIA DO DEMÔNIO.

Por Jones Mendonça

I - Introdução
A figura do demônio despertou ao longo da história ora um sentimento de medo, ora de fascinação. Na idade média causou pânico na população, que via em fenômenos triviais a atuação desses seres[1]. Magos modernos tais como Aleister Crowley e Dion Fortune ensinavam ser possível controlar os demônios caso se conseguisse o conhecimento e a conversação do anjo guardião, “a capa mais profunda do subconsciente, o ego definitivo, o mais autêntico ‘eu’”[2]. Para os ocultistas, anjos e demônios não têm existência objetiva, mas são realidades psíquicas.

A figura do demônio surge em várias culturas, podendo ser chamados, dentre outros nomes, de galla, na religião sumeriana; gênios, na mitologia árabe; larvas, na crença popular latina e demônios na tradição cristã. No Antigo testamento surgem inicialmente como serviçais de Yahweh (p. ex. 1Sm 16,14 e 1Sm 19,9). Mais tarde, após o exílio babilônico, os judeus interpretaram o demônio como sendo um opositor de Yahweh (compare 2Sm 24,1 com 1Cr 21,1). No Novo Testamento são inúmeras as passagens onde encontramos Jesus exorcizando demônios. Eles podiam causar doenças físicas (Mc 9,25) e oprimir mentalmente as pessoas (Mt 17,15), pondo-as à margem da sociedade. Na tradição cristã os demônios foram interpretados como sendo anjos que se rebelaram contra Deus juntamente com Satã, o príncipe dos anjos rebeldes (Mt 12,24).

II. O demônio no Antigo Testamento
Na literatura vétero-testamentária a expressão mais comum para designar o demônio é “espírito maligno” (ruah rah). O livro de Samuel enfatiza que esse espírito era da parte de Yahweh (1Sm 16,14), ou Elohim, (16,15). Foi após ser possuído por este mesmo espírito que Saul começou a profetizar (18,10). Fica evidente nesses textos que tal espírito obedecia às ordens de Yahweh e não uma entidade que se opunha a Ele. O primeiro livro dos Reis nos dá um outro exemplo. Para induzir Acabe a partir para uma batalha em Ramote-Gileade, Yahweh aceitou os serviços de um espírito mentiroso (ruah sheqer) que se apresentou diante dEle na corte celeste (1Rs 22,21-22).

III. O demônio na literatura apócrifa judaica
Na literatura apócrifa judaica são freqüentes as citações aos chamados “espíritos malignos”. O Livro de Tobias menciona a existência de um demônio chamado Asmodeu (Tb 3,8), responsável pela morte de sete homens que haviam sido dados em casamento a uma mulher chamada Sara. O Livro de Enoch fala de duzentos anjos que se rebelaram contra Deus, relacionando-se sexualmente com as mulheres humanas:
“A Miguel, igualmente disse o Senhor: Vai e põe a ferros Samyaza, e os seus sequazes, que se misturaram com as mulheres e com elas se contaminaram de todas as suas impurezas”[3].
Tal relacionamento teria produzido gigantes com 3000 côvados (cerca de 1.500m!) insaciáveis por comida, que após acabarem com todas as provisões dos homens, passaram a buscar nos seres humanos sua fonte de alimento[4]. Além de responsáveis pelo surgimento dos gigantes, os anjos rebeldes teriam ensinado os homens a produzir armas de guerra, a consultar os astros e todo o tipo de transgressão.

IV. O demônio na mentalidade greco-romana
No mundo grego-romano a idéia que se tinha dos demônios era bem diferente. Eles eram as “almas humanas divinizadas pela morte[5], nos diz Fustel de Coulanges. Os latinos davam outros nomes às almas humanas desencarnadas, chamavam-nas manes, lares, larvas ou gênios. Se o mane era bom chamavam-no lar ou gênio; se era mau, era chamado de larva. Cícero afirmava que o termo latino lares correspondia ao termo grego demônio: “Àqueles que os gregos chamam demônios, damos-lhes o nome de lares[6]. Concluímos assim que na mentalidade greco-romana os demônios eram almas de pessoas mortas que vagavam pela terra, podendo ser até mesmo benéficas ao ser humano.

Mas como uma alma se tornava má na mentalidade greco-romana? Fustel de Coulanges nos responde mais uma vez:
“A alma que não possuísse sua sepultura, não tinha morada, e permanecia errante. Em vão aspiraria ao repouso que amava, depois das agitações e do trabalho desta vida; permanecia condenada a errar sempre, sob a forma de larva ou de fantasma, sem jamais se deter, sem jamais receber as oferendas e os alimentos de que tanto necessitava” [7].
A crença em aparições de almas errantes era tão presente na mentalidade do povo que até mesmo os discípulos de Jesus pensaram ser ele um fantasma (φαντασμα) enquanto caminhava sobre as águas do Mar da Galiléia (Mt 14,26). Não havia na mentalidade primitiva a idéia de um outro mundo, onde as almas descansariam ou pagariam pelos seus pecados. O homem “uma vez sepultado, nada tinha a esperar, nem recompensas, nem suplícios[8]. A pessoa morta continuava sua existência junto aos seus parentes, no túmulo, sendo alimentada em rituais que visavam lhe proporcionar descanso e paz. A crença no Tártaro (lugar de condenação) e nos Campos Elíseos (lugar de descanso e paz) só foi incutida mais tarde[9]. No filme “O gladiador” (direção de Ridley Scott, 2000) o personagem principal esperava reencontrar sua família nos Campos Elíseos após sua morte.

V. O demônio na literatura neo-testamentária
O termo daimónion (δαιμόνιον), traduzido por demônio ou simplesmente por divindade (At 17,18), aparece quarenta e seis vezes no Novo Testamento. Apenas seis ocorrências encontram-se fora dos evangelhos. A variante daimon (δαίμων), também traduzida por demônio, surge cinco vezes, duas no Apocalipse e uma em cada um dos sinóticos. Outras duas variantes também ocorrem: daimoniódes (δαιμονιώδης), que a Bíblia de Jerusalém traduz por demoníaco (única ocorrência em Tg 3,15) e daimonízomai (δαιμονίζομαι), referindo-se a uma pessoa influenciada ou atormentada por um demônio (p. ex. Mt 4,24). Apesar do termo demônio ser identificado com o “espírito imundo” (πνευμα ακαθαρτον) em Mc 7,25-26, isso não pode ser feito tão facilmente em relação aos anjos caídos (Ap 12,7-9). As epístolas de Judas e Pedro falam a respeito de anjos que que “deixaram sua própria habitação” (Jd 1,6) e que foram lançados no inferno (2 Pe 2,4), não há uma ligação clara entre eles e os espíritos imundos que possuiam pessoas.

VI. Conclusão
Mas afinal, tais seres maléficos eram reais ou mero produto da mente humana? O psiquiatra metodista Willian Sargant, após viajar por todo o mundo estudando casos de possessão conclui:
“Penso que devo terminar talvez estes longos anos de pesquisa com a conclusão de que não existem deuses, mas apenas impressões de deuses criadas na mente do homem, tão variados são os deuses e as crenças que passaram a existir com a ação da emotividade, da sugestionabilidade aumentada e das fases anormais da atividade cerebral”[10].
Teólogos mais conservadores como Wayne Grudem entendiam que “em algum momento entre Gênesis 1:31 e Gênesis 3:1, houve uma rebelião no mundo angélico que levou muitos anjos a ficarem contra Deus e converterem-se em malignos[11].

Rudolf Bultmann propôs a desmitificação (ou desmitologização ou desmitização) do Novo Testamento. Com isso ele queria dizer que apenas a essência da mensagem cristã deveria ser preservada, descartando-se tudo aquilo que fosse considerado inaceitável diante das descobertas científicas modernas. Aplicando o método de Bultmann, deveríamos abrir mão de crenças primitivas em anjos ou demônios:
Toda a concepção do mundo que pressupõe tanto a pregação de Jesus como a do Novo Testamento, é, em linhas gerais, mitológica, por exemplo [...] a idéia de que os homens podem ser tentados e corrompidos pelo demônio e possuídos por maus espíritos”[12].
Carl Jung foi um dos que criticou essa forma de encarar o sobrenatural presente na religião: “A tentativa de desmitificação de Bultmann representa uma conseqüência do racionalismo protestante e leva a um contínuo empobrecimento da simbologia[13]. Numa linha semelhante parece seguir Paul Tillich. Apesar de descartar a visão tradicional que considera os demônios anjos caídos, ele reconhece o poder desagregador do demoníaco: “a psicologia secular do inconsciente redescobriu a realidade do demoníaco em cada pessoa[14].

Fruto de uma alteração da atividade cerebral, anjos caídos, meros seres mitológicos ou realidades psíquicas autônomas capazes de provocar sérios males ao homem? Seja qual for sua origem, os demônios atravessam os séculos causando distúrbios individuais ou coletivos[15]. Se o nosso inconsciente é realmente autônomo, como sustentava Jung[16], poderíamos dizer que os demônios são mais reais do que imagina uma mente aprisionada nos esteios da racionalidade. A linha que separa o real do imaginário é tênue. Negar a existência do demônio (ou demoníaco, como gostava Paul Tillich) seria como negar os efeitos de um câncer “imaginário” que mata aos poucos um pobre moribundo.

Bibliografia:
BÍBLIA DE JERUSALÉM: nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2003.
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e a mitologia. São Paulo. Novo Século, 2003.
COULANGES, Fustel. A cidade Antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Jonas Camargo Leite. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
COENEN, Lothar; BEYREUTHER, Erich; BIETENHARD, Hans. Diccionario teologico del Nuevo Testamento - Vol II. Salamanca: Sígueme, 1990.
GRUDEM, Wayne. Teología Sistemática. Traduccíon de Miguel Mesías, José Luis Martinez, Omar Diaz de Arce. Miami, FL: Editorial Vida, 2007.
HARK, Helmut. Léxico dos conceitos junguianos fundamentais. Tradução de Maurício Cardoso. São Paulo: Loyola, 2000.
JUNG, Carl G. Psicologia e religião. Tradução de Fausto Guimarães. Rio de Janeiro: Zahar, 1965.
KING, Francis. Magia. Madrid: Ediciones del Prado, 1996, p.12 (Coleção Mitos, Deuses e Mistérios).
KIRST, N.; KILPP, N.; SCHWANTES, M.; RAYMANN, A.; ZIMMER, R. Dicionário hebraico-português e aramaico-português. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2007.
KRAMER, Samuel Noah. Mesopotâmia, o berço da civilização. Tradução de Genolino Amado. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1972.
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no imaginário cristão.Bauru, SP: Edusc, 2002.
PROENÇA, Eduardo de (org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Fonte Editorial, 2005.
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave lingüística do Novo Testamento Grego. Tradução de Gordon Chown e Júlio Paulo T. Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 1995.
SARGANT, Willian. A possessão da mente: uma fisiologia da possessão, do misticismo e da cura pela fé. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1973.
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

Notas:



[1] Um belo exemplo do quão imaginativa foi a mente medieval em relação à atuação dos demônios pode ser encontrado na obra Malleus Maleficarum, escrita por dois inquisidores dominicanos, Heinrich Kraemer e James Sprenger, publicada pela primeira vez em 1487. O documento é uma espécie de manual para identificar bruxas. O livro foi publicado em língua portuguesa pela editora Rosa dos Tempos.

[2] KING, Francis. Magia, 1996, p.12.
[3] Enoch 10,6
[4] Enoch 7,2
[5] COULANGES, Fustel. A cidade Antiga, 1996, p. 17
[6] Cícero, Timeu, II, in COULANGES, Fustel. A cidade Antiga, 1996, p. 17
[7] COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga, 1996, p.12.
[8] COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga, p. 13.
[9] COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga, p. 13.
[10] SARGANT, Willian. A possessão da mente: uma fisiologia da possessão, do misticismo e da cura pela fé, 1973, p.241.
[11] Tradução livre do autor. No original “en algún momento entre los sucesos de Genesis 1:31 y Genesis 3:1, tuvo que haber una rebelion en el mundo angelical que llevo a muchos angeles a ponerse en contra de Dios y convertirse en malignos”. GRUDEM, Wayne. Teología Sistemática, 2007, p. 430.
[12] BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e a mitologia, 2003, pp. 13, 14.
[13] Briefe II, p. 211 in HARK, Helmut. Léxico dos conceitos junguianos fundamentais, 2000, p. 100.
[14] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, 2004.
[15] Ficou famoso o caso da possessão coletiva das freiras ursulinas de Loudun (1632), que faziam caretas e balbuciavam palavras ininteligíveis às vistas de turistas curiosos. Inspirado por este caso, o escritor e intelectual inglês Aldous Huxley escreveu sua obra: “Os demônios de Loudun”.
[16] JUNG, Carl G. Psicologia e religião. 1965, pp. 10-41.


Crédito das imagens:
Figura 1:
Aleister Crowley (1875-1947), com suas vestimentas de mago, antes de 1914.

Figura 2:
MEMLING, Hans
Inferno
c. 1485
Óleo sobre madeira, 22 x 14 cm
Musée des Beaux-Arts, em Estrasburgo