quinta-feira, 22 de abril de 2010

O QUE SÃO LIVROS APÓCRIFOS?

A palavra apócrifo desperta nos cristãos os mais diversos sentimentos. Alguns, mais curiosos, se esforçam por achar na Internet um trechinho que seja de algum livro apócrifo para saber do que ele trata. Outros, advertidos por líderes temerosos por confundir suas ovelhas, evitam sua leitura como se fosse obra do próprio Satã. Mas o que é um livro apócrifo e porque o seu conteúdo é objeto de tanta polêmica?

A palavra grega apócrifo significa oculto, secreto, algo que está velado. Entre os eruditos essa palavra é usada para designar os livros que não gozam da mesma autoridade dos livros que constam atualmente na nossa Bíblia. Nós protestantes consideramos apócrifos sete livros e alguns acréscimos aos livros de Daniel e Ester presentes na Bíblia católica. Os sete livros são: Tobias, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Judite, Baruque e I e II Macabeus. Os católicos preferem chamá-los de deuterocanônicos, ou seja, que foram canonizados numa segunda oportunidade (dêutero=segundo). Como estes livros foram escritos antes do advento de Cristo, estão incluídos entre os livros do Antigo Testamento. Tais livros jamais foram aceitos pelo judaísmo oficial (o cânon judaico foi fixado em 90 d.C., na cidade de Jâmnia) e foram motivo de divergência entre os próprios padres da igreja dos primeiros séculos. Lutero considerou estes livros úteis para leitura, mas não os pôs entre os canônicos. Em 1546, depois de acalorada discussão entre os bispos, o Concílio de Trento declarou que os escritos apócrifos eram tão inspirados quanto os demais livros presentes na atual Bíblia utilizada pelos evangélicos. Tal decisão tornou definitiva a diferença entre a Bíblia católica e protestante.

Mas porque Lutero considerou os livros apócrifos como "úteis para a leitura" se não os considerou inspirados? Bem, os protestantes não recusam os livros escolares apenas porque não os consideram inspirados por Deus. Ao negar a inspiração desses livros, Lutero queria dizer que não devem ser utilizados como fundamento para alguma doutrina. Como o Concílio de Trento pôs os apócrifos (ou deuterocanônicos, para os católicos) em pé de igualdade com os demais livros, os católicos não hesitam em citar textos de II Macabeus para apoiar a doutrina da oração pelos mortos, do purgatório e da intercessão dos Santos (cf. 12,28-45; 15,11ss.).

Lendo os apócrifos é possível conhecer melhor a cultura judaica dos primeiros séculos que antecederam o nascimento de Cristo.  Judite e Macabeus evidenciam o sentimento nacionalista judaico do II século a.C. Os acréscimos ao livro de Daniel (Bel e o dragão) põem em relevo a extrema repulsa dos judeus à idolatria. O livro de I Macabeus permite uma melhor compreensão do contexto histórico do chamado período inter-bíblico. Este último livro revela, por exemplo, que o helenismo (cultura grega difundida por Alexandre, o Grande) influenciou de tal modo o povo judeu que vivia na Palestina que parte do povo passou a se envergonhar da sua circuncisão: "E alguns dentre o povo apressaram-se em ir ter com o rei, o qual lhes deu autorização para observarem os costumes pagãos [e eles] restabeleceram seus prepúcios e renegaram a aliança sagrada" (I Mc 1,12-15). Como o judaísmo deste período estava fortemente helenizado, essa influência acabou inserindo novas doutrinas no judaísmo da época.

Além dos apócrifos do Antigo Testamento, existem também os apócrifos do Novo Testamento. Estes são considerados espúrios tanto por católicos como por protestantes. Tais escritos podem ser divididos entre apocalipses (p. ex. apocalipse de Pedro e de Tomé) relatos da vida de Jesus (p. ex. Evangelho pseudo-Tomé e pseudo-Mateus) e epístolas (p. ex. Carta de Tibério a Pilatus e Livro de São João Evangelista). Estes livros foram escritos numa data bem posterior aos escritos neotestamentários tradicionais.  A maioria deles é uma tentativa de descrever episódios não revelados nos livros bíblicos tradicionais, tais como a infância de Jesus, sua descida ao Hades, milagres fantásticos efetuados pelos apóstolos e supostas revelações misteriosas dadas por Jesus a alguns de seus discípulos. O Evangelho Árabe da Infância, por exemplo, narra o menino Jesus fazendo passarinhos de barro capazes de voar: "Ele havia feito figuras de pássaros que voavam quando ele ordenava [...] e que paravam quando ele dizia para parar" (Evangelho Árabe da Infância, cap. 35). Vemos nesses livros o quão criativo era o povo, que na falta de relatos a respeito de eventos não detalhados nos escritos canônicos, não hesitava em criá-los sem a menor objeção.

Referências bibliográficas:
ÁRIAS, Juan. A Bíblia e seus segredos. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
BRAKEMEIER, Gottfried. A autoridade da Bíblia: controvérsias – significado – fundamento. São Leopoldo, RS: Sinodal, Centro de Estudos Bíblicos, 2003.
LIMA, Alessandro Ricardo. O cânon bíblico: A origem da lista dos livros sagrados. Brasília, DF, 2007.
ZILLES, Urbano. Evangelhos apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
LIMA, Alessandro Ricardo. O cânon bíblico: a origem da lista dos livros sagrados. Brasília, DF, 2007.

Imagem:
CESARI, Giuseppe
Judite com a cabeça de Holofernes
1605-10
Óleo sobre tela, 61,3 x 48 cm
Museu de Arte de Berkeley, Universidade da Califórnia

11 comentários:

  1. Interessante mesmo.
    Meu pai era presidente da paróquia da minha cidade e eu vivia dentro da igreja católica. Já a escola onde eu estudava ficava no pátio de uma Igreja Evangélica de Confissão Luterana... Resultado? Eu frequentava quase todas missas e na escola era obrigado a assistir cultos e seminários de palestras. Minha situação era confusa, e assim sou até hoje em relação a essas diferenças doutrinais. Teu texto foi bastante esclarecedor.
    Só sei que coisas que eu ouvia nas orações de um lugar eu jamais ouvia nas do outro e virse versa. Pow, até o pai nosso é diferente. Eu me desgostava com isso. Acho até que essa experiência de ver pessoas iguais acreditando (e divergindo)na MESMA coisa de formas diferentes acentuou o meu desgosto por instituições religiosas.
    Para completar, na disciplina de "Ensino Religioso" eu só aprendia sobre a religião do professor - que mudava a toda hora e sempre era católico ou luterano. Aprender sobre outras religiões, nem pensar. Heresia, blasfêmia, sei lá... Os poucos umbandistas que moram na minha cidade (vila) seriam linchados se assumissem sua religião.
    No fim das contas, se tivesse que escolher, ia preferir a igreja evangélica. Considero as reformas de Lutero sensatas e bem infundadas.

    Tiarles

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    1. OI TIARLES,MEU NOME É MEYRE(meyrex3@hotmail.com)EU ACREDITO NISTO:"DE TUDO QUE SE TEM OUVIDO, A SUMA É:TEME A DEUS E GUARDA OS SEUS MANDAMENTOS;PORQUE ISTO É O DEVER DE TODO HOMEM. PORQUE DEUS HÁ DE TRAZER A JUIZO TODAS AS OBRAS,ATÉ AS QUE ESTÃO ESCONDIDAS,QUER SEJAM BOAS QUER SEJAM MÁS."ECLESIASTES 12:13-14 FICA NA PAZ DO SENHOR JESUS.

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  2. Olha Tiarles, confesso que também tenho dificuldades com a tal igreja institucionalizada. O que era para ser algo desinteressado e simples acaba virando um monstro. Mas fazer o quê? Acho importante o ser humano achar um jeito de expressar sua espiritualidade. Tenho tentado fazer isso.

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    1. muito bem, cooncordo com voce que devemos procurar uma forma de expressar a espiritualidade.

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  3. Muito bom seu post.Gostei da forma que abordou a questão dos apocrifos.Com verdadeiro espirito cristão, esclarece o tema independente do seguimento religioso.Parabéns! Deus o abençõe.

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  4. Olá,
    Muito legal esse seu blog. Sempre q puder farei uma visita, permitindo Deus!
    Pois bem, impende salientar que Lutero não considerou canônicos os seguinte livros do Novo Testamento: Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse, que na sua tradução da Bíblia para o alemão deixou-os num apêndice sem numeração de páginas. Das leituras que fiz há algum tempo atrás em algumas obras, a exemplo da Enciclopédia Britânica, na obra intitulada – Early Christians Doctrines do erudito protestante J. N. D. Kelly e de algumas outras verifiquei o seguinte, num breve reusmo – No início, Jerônimo chegou a negar a canonicidade dos deuterocanônicos. Posteriormente, estudiosos encontraram uma mudança de opinião em cartas endereçadas a Rufino e a Paulino (bispo de Nola). Não obstante houvesse discordância nas opiniões dos Pais da Igreja, tal discordância não influenciou o veredito comum da Igreja dos primeiros séculos. Nenhum concílio da Igreja dos primeiros séculos recusou a canonicidade destes livros, ou seja, dos mencionados deuterocanônicos. Ao contrário, foram declarados canônicos nos seguintes concílios: Roma (382 d.C, dando origem ao cânon Damaseno), Hipona I (393 d.C), Cartago III (397 d.C), IV (417 d.C), Trullo (cânon 2, 692). Outro documento que ficou conhecido como decreto Gelasiano (496 d.C) também exibe a canonicidade dos deuterocanônicos.
    Já o renomado historiador protestante J.N.D. Kelly admite - "It should be observed that the Old Testament thus admitted as authoritative in the Church was somewhat bulkier and more comprehensive [than the Protestant Bible]... It always included, though with varying degrees of recognition, the so-called apocrypha or deuterocanonical books" (Early Christian Doctrines, 53,).
    Keep up the good work!!!
    Antonio

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  5. Lembro que o Concílio de Laodiceia (347-395) omitiu os deuteroanônios, exceto Baruque.

    Também é importante frisar que não há consenso se Lutero rejeitou a canonicidade dos livros que você citou ou simplesmente os colocou num patamar inferior. O fato é que ele não percebia neles clareza evangélica, algo, que no seu entendimento era fundamental (um dos motivos de suas desavenças com Erasmo, que insistia na obscuridade do conteúdo de alguns livros).

    De qualquer forma, obrigado pelos acréscimos.

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  6. fale dos livros, que martinho lutero considerou apêndice, como ex o apocalipse de joão e outros, que hoje os protestantes hoje consideram canônicos(inspirados).ou os antilegomena de lutero. poderiamos chamar estes livros de os deuterocanônicos dos protestantes ? ou os ex-apendices dos protestantes ? ou os antigos apócrifos dos protestantes ? já que martinho lutero é o pai do protestantismo e os questionou !

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  7. O apêndice de Lutero (além dos deuterocanônicos):

    Tiago: "Epístola de palha",
    Judas: "Epístola desnecessária",
    Hebreus, 1 e 2 João e Apocalipse.

    De certa forma são mesmo "deuterocanônicos" do Novo Testamento para os protestantes.

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  8. HOje estava discutindo com minha coleg asobre a verdadeira forma de batismo(católico e o biblico)e ela me disse que os evangelicos escolhem o que querem seguir, peço que todos que virem esta mensagem orem por ela.

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