sábado, 16 de julho de 2011

APONTAMENTOS DE HERMENÊUTICA: A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA NA REFORMA

A alegoria protestante, 1542/44
Royal Collection, Windsor
Inicialmente o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546), também interpretou passagens da Bíblia acreditando no seu sentido quádruplo.

O livro de Salmos:

  • No sentido literal Davi faz alusão ao Cristo encarnado;
  • O sentido alegórico à igreja;
  • O sentido tropológico ao fiel;
  • O sentido anagógico aponta para questões escatológicas[1].
Mas Lutero foi aos poucos migrando para uma interpretação mais literal (sensus literalis) até abandonar definitivamente a metodologia exegética empregada na Idade Média:
Por ser jovem, eu era erudito, e excelente, antes de chegar à teologia, então eu lidava com o sentido alegórico, tropológico, analógico e fazia grande arte; se hoje alguém o fizesse, o consideraria pura ignorância. Eu sei que é tudo besteira, porque agora larguei disso, e esta é minha última e melhor arte: Tradere scripturam simplici sensu [transmitir a Escritura pelo sentido simples][2].
O reformador alemão também gostava de enfatizar que a Bíblia interpreta a si mesma (Scriptura sui ipsius interpres[3]). Outro conceito introduzido por ele foi o do livre exame da Escritura, que deu ao leitor a autonomia para lê-la e estudá-la sem a interferência da Igreja.

Lutero deu grande ênfase ao estudo das línguas bíblicas originais[4].  Ao invés se utilizar a Vulgata Latina (Bíblia em latim), versão oficial da Bíblia para o catolicismo, ele fez uma tradução para o alemão popular a partir do hebraico e do grego.  A invenção da imprensa, algumas décadas antes do seu rompimento definitivo com a Igreja Católica, contribuiu ainda mais para tornar a Bíblia um livro acessível ao povo comum.

Resumo das inovações de Lutero:

  • Substituição do o sentido quádruplo da Escritura pelo sensus literalis;
  • Substituição da Vulgata Latina por uma versão em alemão traduzida a partir dos idiomas originais;
  • Substituição da autoridade eclesiástica como parâmetro para a interpretação bíblica pela sola Scriptura, enfatizando o livre exame e o seu caráter auto-explicativo.
Lutero revolucionou a maneira como se interpretava a Bíblia. Seguiram-no de perto outros reformadores, tais como Philip Melanchthon (1497-1560),  Zuínglio (1484-1531), William Tyndale (c. 1494-1536) e João Calvino (1509-1564). Este último, como Lutero, enfatizava a necessidade de uma interpretação literal e inequívoca do texto bíblico:
O verdadeiro significado da Escritura é o significado óbvio e natural. Mantenhamo-nos decididamente... É uma ousadia que beira o sacrilégio usar as Escrituras em função do nosso capricho e jogar com elas como se fossem uma bola de tênis tal como muitos antes faziam... O primeiro labor de um intérprete é permitir ao autor que diga o que disse, em vez de atribuir a ele o que nós pensamos o que havia de dizer[5]. 
O método de interpretação utilizado pelos reformadores ficou conhecido como histórico-gramatical (busca a intenção do autor do texto bíblico através da análise da situação histórica original e da linguagem original). Se por um lado o livre exame libertou o leitor dos abusos cometidos por aqueles que detinham o poder de interpretar a Bíblia, por outro lado deu margem para o surgimento de inúmeras interpretações.

Notas:
[1] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem, p. 45.
[2] WA 2,509,14s. apud SCHNELLE, Uldo. Introdução à teologia do Novo Testamento, p.157.
[3] Assertio omnium articolorum, 1520. WA 7, p.96 ss apud  SHÜLER, Arnaldo. Dicionário Enciclopédico de Teologia, p. 416.
[4] Os manuscritos gregos do Novo Testamento trazidos de Constantinopla por humanistas italianos na primeira metade do século XV e por eruditos que fugiram após sua queda em 1453 permitiram que Lutero comparasse a tradução latina da Bíblia com os originais gregos e percebesse inúmeras discrepâncias. Uma crítica aos erros da Vulgata de Jerônimo já havia sido feita pelo erudito latinista italiano Lourenço Valla (1407-1457). Cf. DURANT, Will. A renascença: a história da civilização na Itália de 1304-1576, p. 281.
[5] J. Bright, The authority of the O.T., pp. 43,44 apud MARTÍNEZ, José  M. Hermenéutica bíblica, p. 122. 


Jones F. Mendonça

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