sábado, 31 de março de 2012

SAIU NO HAARETS

Vez por outra ouço alguém dizer que viu em algum documentário ou livro que foram encontradas provas da permanência e/ou fuga dos judeus do Egito. A grande verdade é que não existem tais provas. Em tempos de páscoa o jornal israelense Haaretz publicou um artigo intitulado: "Os judeus realmente foram escravos no Egito ou a páscoa é um mito?"(26/03/12). Quem assina o texto é Josh Mintz. 

Outra matéria interessante publicada no Haaretz reflete sobre o conceito "Estado judeu", defendido por líderes israelenses como condição prévia para as negociações com os palestinos (que obviamente não o aceitam, uma vez que parece excluir do Estado os grupos minoritários). Afinal, "o que é um Estado judeu?"(01/03/12), pergunta-se Joel Braunold, autor do texto. 

Jones F. Mendonça 

A GUERRA DO PETRÓLEO

Anjo Boligan-Mexico/Mar., 26,2012
Fonte: Irancartoon

sexta-feira, 30 de março de 2012

CALVINO E FEUERBACH: O DEUS QUE APARECE NO ESPELHO

Em linhas gerais o Antigo Testamento apresenta um Deus antropomorfo. Ele assovia (sharaq - Is 7,18), dorme (yashen - Sl 44,23), desperta como um valente excitado pelo vinho (yaqatz - Sl 77,65), passeia pelo jardim do Éden (halakh - Gn 3,8), é guerreiro valente (’iysh milhamah - Ex 15,3), cavalga sobre um querubim (vayyirkav al-keruv - Sl 18,11), sente ciúmes (qanna’ – Ex 20,5) e até se arrepende (naham - Gn 6,6). O deus babilônico Marduk também era descrito assim:

Eu glorifico ao Senhor muito sábio, o deus razoável, Marduk,
que se irrita de noite, mas se acalma pela manhã...
Como a tormenta de um ciclone, envolve tudo com sua cólera,
depois seu fôlego se faz benévolo, como o zéfiro da manhã.
Inicialmente sua ira é irresistível, sua raiva, catastrófica,
mas depois seu coração se amansa, sua alma se recupera.
Os céus não suportam o choque de seus punhos,
mas a seguir sua mão se apazigua e socorre o desesperado...
É tomado pela cólera, e os sepulcros se abrem,
mas quando perdoa, restabelece as vítimas da carnificina...[1].

Foi-se o exílio, vieram os persas e depois os macedônios com a difusão da cultura grega, que mesclada com as culturas locais deu origem helenismo. Não tardou muito até que os judeus (inicialmente por Fílon), e depois os cristãos, vestissem Yahweh com os trajes do Olimpo. Deus tornou-se sumo bem, imutável, sem forma e destituído de qualquer sentimento. Tiago, já com sua alma totalmente helenizada (ou platonizada), declara:
Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação (Tg 1,17).
Na patrística e na Idade Média as doutrinas cristãs foram elaboradas com os requintes da filosofia grega. Filósofos como Platão e Aristóteles teriam sido cristãos antes mesmo de Cristo ter posto seus pés na terra. O trem da teologia cristã seguia o seu curso, ora nos trilhos de Platão, ora nos trilhos de Aristóteles. E assim foi...

Em setembro de 1517 Lutero rompeu com Aristóteles ao publicar suas 97 teses contra a escolástica (um mês antes das suas famosas 95 teses contra as indulgências). Platão, sob a ótica de Agostinho, voltava ao cento do cenário teológico. Coube a Calvino sistematizar a nova teologia que incendiava a Europa. Ao defender a soberania absoluta de Deus ele precisou encontrar uma explicação para as passagens veterotestamentárias que apresentavam um Yahweh antropomorfo como Marduk, Quemós, Mot, Resheph, etc. Nas suas Institutas o teólogo francês argumentou que quando Deus é apresentado com características humanas devemos entender que tais descrições não expressam verdadeiramente como Deus é em si, mas como nós o sentimos (Livro I, XVII, 13). Em suma, são elementos da natureza humana projetados em Deus.

Caso Calvino tivesse levado adiante suas idéias a ponto de confessar que no Novo Testamento o mesmo fenômeno ocorre, teria antecipado Feuerbach em cerca de três séculos e confessado que teologia é antropologia: o homem deposita em Deus o que lhe pertence.  No mundo helenizado Deus não é projeção da natureza humana, mas dos seus anseios mais profundos: eternidade, verdade, bondade, imutabilidade, etc. Eis o erro de Calvino: achar que o conceito de Deus da Nova Aliança é mais puro, mais belo, mais verdadeiro que o da Antiga Aliança.

Admitir que o Deus que os homens veneram e anunciam é projeção humana não torna inválida a religião nem prova que Deus não existe, mas abre espaço para o diálogo, para a tolerância, para a compreensão do outro. É preciso admitir: o discurso sobre Deus sempre será, no fundo, um discurso sobre o homem.

Nota:
[1] Fiz uma tradução livre do espanhol. Lambert, 1960, 342 s. apud BOTTÉRO, Jean. Lá religión más antigua: Mesopotâmia, 2001, p. 135.


Jones F. Mendonça

DOWNHILL EXTREME: AS BIKES VOADORAS


quinta-feira, 29 de março de 2012

A PRONÚNCIA DO HEBRAICO ENTRE ASHKENAZIS E SEFARDITAS

Surgimento da letra hebraica "dalet" a partir do hieróglifo egípcio. 
No Rio: "caxtelo"; em São Paulo: "castelo". No Rio: "cara di pau"; no Rio Grande do Sul: "cara de pau". Com o hebraico também é assim: ashkenazis (judeus de origem alemã) e sefarditas (judeus espanhóis) pronunciam as palavras de maneira diferente. 

Um interessante artigo sobre o assunto ("Strange Case of Daleds") foi publicado no The Jewish Dauly Forward, em 22/01/12. O texto é assinado por Philologos. 

Leia já traduzido pelo Google aqui
Em inglês aqui




Jones F. Mendonça

A PESHITTA O GARABA E O GAR'BA

Diante da discussão envolvendo um possível erro de transmissão do relato da visita de Jesus à casa de Simão ("o leproso"=gar'ba, ou "comerciante de vidros"=garaba), em Betânia, publiquei aqui que a palavra garaba não aparece na Peshitta, daí a impossibilidade de se confirmar a semelhança entre as palavras (conforme sustentado por alguns). 

Considerando que Jesus toca um leproso em Mc 1,41, toda a discussão em torno da impossibilidade de uma visita sua à casa de um homem acometido pela doença torna-se desnecessária. De qualquer forma, abaixo o leitor pode comparar a semelhança entre a palavra "jarro" (que aparece na Peshitta) e "leproso". Como se pode ver, ambas possuem a mesma raiz. 


Clique para ampliar


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 28 de março de 2012

VISÕES, PROFECIA E POLÍTICA NO LIVRO DO APOCALIPSE [LIVRO]

No início deste ano foi lançado "Vision, prophecy, & politics in the book of Revelation", da famosa estudiosa do Novo Testamento Elaine Pagels. A autora foi entrevistada por Wil Gafney da RD Magazine. Confira a entrevista aqui

terça-feira, 27 de março de 2012

FONTES TRUE TYPE SIRÍACO



Muitas fontes do alfabeto siríaco você encontra aqui

PESHITTA DO NOVO TESTAMENTO ON-LINE

"Leproso" e "oleiro" na Peshitta. 
Certa vez ouvi de um "rabino messiânico" que a tradução correta para Mt 1,16, seria "José, pai de Maria" e não "José, marido de Maria". O argumento utilizado: a palavra aramaica da Peshitta (g'abrah), base para a tradução do Mateus grego (!?), pode significar tanto pai como marido.  O tradutor teria se enganado. Com tal recurso a conta de Mateus (14 gerações do Exílio até Cristo) fecha perfeitamente. Consultei alguns léxicos aramaicos on-line: g'abrah=marido. Só. 

Hoje me deparei com outro argumento a favor da primazia da Peshitta (Bíblia escrita em siríaco, um dialeto do aramaico) em relação ao texto grego. O autor declara que no "texto original aramaico" a palavra "leproso", em Mt 26,6, deveria ser traduzida por "oleiro" ou "comerciante de vidros". Isso explicaria a presença de Jesus na casa de Simão, um oleiro, e não um homem ritualmente impuro. Neste caso Jesus não teria descumprido a lei de Moisés. O argumento do autor: no aramaico as palavras "leproso" (gar'ba) e "oleiro/comeciante de vidro" (garaba) possuem as mesmas consoantes. O tradutor mais uma vez teria sido vítima de palavras parecidas ou com duplo significado. Hummm, será?

Consultei Mt 26,6  na Peshitta. Raiz da palavra - "GRB" = leproso. Tanto a versão grega como a Peshitta apresentam Simão como leproso e não como oleiro ou comerciante de vidros. Assim cai por terra o mito de que a Peshitta representa uma versão mais correta dos ensinamentos e da vida de Jesus. 


Pelo que pesquisei, a palavra aramaica "garaba" (comerciante de vidros) não aparece na Peshitta, por isso não pude confirmar a semelhança entre as duas palavras. O que pude fazer foi comparar as palavras "oleiro"e "leproso", que são graficamente bem diferentes, como apresentado no quadro acima. Caso realmente existam semelhanças entre as duas palavra no siríaco (gar'ba/garaba=leproso/comerciante de vidros) isso sugere que houve um erro, não de tradução, mas de transmissão oral fornecida a Marcos, que também registra o episódio é e fonte para Mateus. Digno de nota é a grafia errada registrada ou por Marcos ou por Mateus do nome da cidade onde Jesus expulsou um demônio chamado Legião. Marcos 5,1 registra Gadara. Mateus 8,28 registra Gerasa.  Entre a tradição oral e o texto escrito muita coisa pode acontecer. E mesmo depois de escrito, o relato pode ir aumentando ou diminuindo de acordo com a motivação teológica da comunidade religiosa. 

Caso queira consultar a Peshitta on-line, clique aqui

Para consultar um texto, marque a opção "Use BFBS Peshitta textt...". Depois é só clicar em "Show me the verses!". 

Faça uma consulta mais detalhada clicando em "analyze" (ao lado do texto que você está analisando). Assim que você clicar surgirá uma nova tela com uma tabela contendo todas as palavras do versículo escolhido. Clique no "ID" (uma espécie de número strong) ao lado da palavra cujo significado você quer saber, e pronto! 

Pode parecer complicado, mas logo você se acostuma. 


Jones F. Mendonça

GOOGLE VIEW CHEGA À AMAZÔNIA


sábado, 24 de março de 2012

PURIM 2012 [FOTOS]

O The Big Picture publicou 22 fotos do Purim 2012 em Israel. A festa acabou se tornando uma espécie de carnaval judaico. Confira aqui


sexta-feira, 23 de março de 2012

A ULTRA-ORTODOXIA JUDAICA E AS MULHERES

Haredim usando uma mehitzah
(montagem humorística)
No ano passado uma amiga me relatou, após visitar Israel, que viu alguns haredim (judeus ultra-ortodoxos) criando certo alvoroço no avião por se negarem a sentar ao lado de mulheres. No Haaretz de hoje (13/03/12) foi publicada uma matéria sobre o assunto. Segundo o jornal israelense os haredim contam com a ajuda dos funcionários da companhia aérea El Al
“Há uma participação passiva ou aquiescência direta da El Al", afirma Mark Feldman, que lidera as Ziontours, baseada em Jerusalém. "Ao invés de defender os direitos dos passageiros, eles estão permitindo que este comportamento continue". [...] Os haredim foram observados contando com a ajuda dos comissários de bordo, que às vezes intervêm pessoalmente para resolver estas situações, pedindo as mulheres - e às vezes os homens - para mudar de lugar.
Os haredim são minoria em Israel, mas gozam de grande influência e criam muitos problemas para o governo e para os judeus não religiosos. 

Jones F. Mendonça

segunda-feira, 19 de março de 2012

A HISTÓRIA DE ISRAEL NA WEB


Está estacionada no meu bairro (Campo Grande) uma feira itinerante de livros usados que circula pelo Rio ao longo do ano. Numa garimpagem rápida três livros me chamaram a atenção:

- “Para além da Bíblia”, de Mário Liverani, 
- “O autêntico Evangelho de Jesus”, de Geza Vermes, e 
- “Além de toda a crença”, de Elaine Pagels.

Como no momento meu interesse está mais voltado para o Antigo Testamento, acabei me decidindo pelo livro do assiriólogo Mário Liverani. Nas livrarias o livro custa em média R$70,00 + frete. Na Estante Virtual não encontrei por menos de R$50,00 + frete. No feirão, “Para além da Bíblia” saía por R$40,00. Irresistível.   

É possível baixar o capítulo 3 de “Para além da Bíblia” no 4shared (versão em espanhol: “Mas Allá de la Biblia”). Ler parte de um livro antes de comprá-lo pode evitar surpresas desagradáveis. Abaixo uma relação de livros sobre a história de Israel que você encontra em sites que hospedam arquivos (4shared, snips, scribd, etc.):

BALANCIN, Euclides Martins. História do Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 1989. 
BRIGHT, John. La historia de Israel. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1970. 
CASTEL, Francois. Historia de Israel y de Judá. Desde los orígenes hasta el siglo II d.C. Estella: Editorial Verbo Divio, 1998. 
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos - vol I. Tradução de Cláudio Molz e Hans Trein. São Leopoldo: Sinodal, 1997. 
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos - vol II. Tradução de Cláudio Molz e Hans Trein. São Leopoldo: Sinodal, 1997. 
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil A. La Biblia Desenterrada: Una nueva visión arqueológica del Antiguo Israel y de los origenes de sus textos sagrados. Madrid: Siglo Veintiuno, 2003. 
LIVERANI, Mario. Mas alla de la Biblia: Historia antigua de Israel. Barcelona. Crítica (apenas o capítulo 3).

NOTH, Martin. Historia de Israel. Barcelona: Ediciones Garriga, 1966. 
NOËL, Damien. En tiempo de los imperios. Estella: Editorial Verbo Divino, 2004. 
NOËL, Damien. En tiempo delos reyes de israel y de Juda. Estella: Editorial Verbo Divino, 2002. 
NOËL, Damien. Los orígenes de Israel. Estella: Editorial Verbo Divino, 1999. 
TASSIM, Claude. El judaísmo, desde el distierro hasta el tiempo del Jesús. Estella: Editorial Verbo Divino, 1987. 
TASSIN, Claude. De los macabeos a Herodes el grande. Estella: Editorial Verbo Divino.

Jones F. Mendonça

domingo, 18 de março de 2012

O YOD: EU ERA FÊMEA E ME TORNEI MACHO; ERA ÚLTIMA E ME TORNEI PRIMEIRA

Numa aggada (comentário judaico de caráter homilético), a letra yod, retirada do nome de Sara (que antes era Sarai), se prostra diante do Criador e diz:
“Senhor do mundo, tiraste-me do nome de uma justa!”. Deus lhe responde: “Antes, estavas no nome de uma mulher, e no final da palavra. Agora, eu te coloco no nome de um homem e no começo da palavra, como foi dito: Moisés chamou Hoshea [Oséias], filho de Num: Yehoshua [Josué] (Nm 13,16)”[1].
Os comentaristas judeus adoravam fazer especulações fonéticas com palavras hebraicas. Este, em particular, reflete a visão negativa que se tinha da mulher. Entenda como se deu essa “ascensão meteórica” do yod:

Gn 17,15 Disse Deus mais a Abraão: a Sarai tua mulher não chamarás mais pelo nome de Sarai, mas Sara será o seu nome.



Nm 13,16 Estes são os nomes dos homens que Moisés enviou a espiar aquela terra: e a Oséias, filho de Num, Moisés chamou Josué (Yehoshua).



Do nome de uma mulher (Sarai), o yod vai para o nome de um homem (Hoshea). Da última posição na palavra, para a primeira. De quebra ainda dá origem à palavra “salvação” (yehoshua), que também é o nome de Jesus!


E vai ter leitor copiando este post para usar como ilustração no púlpto. Tens dúvidas disso?

Nota:
[1] REMAUD, Michel. Evangelho e tradição rabínica, p. 44.


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 14 de março de 2012

O MOMENTO É TRÁGICO, MAS A FOTO É BELA

Funeral do rabino Yeoshua Hager, líder da seita hassídica Vizhnitz
Foto: Haaretz

CHEGA AO FIM PROCESSO ENVOLVENDO O "TÚMULO DO IRMÃO DE JESUS"

Oded Golam, acusado de falsificar um túmulo com a inscrição "Tiago, irmão de Jesus", foi finalmente absolvido pelo juiz Ahron Farkash, num tribunal de Jerusalém (Haaretz - 14/03/2012). No entendimento do juiz os especialistas contratados pelo procurador do Estado não foram capazes de provar que o artefato é uma falsificação. 

É importante frisar que a decisão judicial diz respeito apenas a autenticidade do documento (ainda assim, questionável). Se o "Tiago" e o "Jesus" citados na inscrição são o "Jesus" e o "Tiago" dos Evangelhos é outra história. 


Jones F. Mendonça

terça-feira, 13 de março de 2012

NOVO BLOG DO HAARETZ

O jornal israelense de esquerda Haaretz (meu jornal israelense preferido) acabou de lançar o seu Blog. Dê uma olhada aqui

segunda-feira, 12 de março de 2012

ESTER, NISTAR, ISHTAR E AHMADINEJAD

Em razão dos conflitos com o Irã, o Purim 2012 foi comemorado de forma mais intensa. Para quem não conhece a narrativa bíblica, no Purim (do acádio, sorteio) comemora-se a salvação dos judeus de uma perseguição fomentada pelo “perverso” Hamã, conselheiro do soberano persa. No final da história Hamã é morto e o judeu Mardoqueu assume seu lugar como conselheiro do rei. Entre muitos judeus Ahmadinejad tem sido visto como uma espécie de novo Hamã, pois supostamente deseja “varrer Israel do mapa”. O primeiro ministro de Israel, Benjamim Natanyahu, chegou a presentear Obama com um livro de Ester.

Um detalhe curioso é que o nome de Deus não aparece no livro. Na opinião de alguns místicos judeus a resposta a essa curiosa omissão estaria no próprio livro.
Alguns comentaristas tradicionais, especialmente os de inclinação mística, viram a história como ensinando algo a respeito do agir oculto de Deus, diferentemente do que ocorreu no Egito, quando atuou de forma visível. Eles ressaltam que até mesmo o nome Ester em hebraico está relacionado com a palavra que significa "escondido" – nistar (J. Post, 08/03/2012).

Se você não entendeu eu explico: a palavra Ester (nome da heroína) carrega semelhanças fonéticas com o nome "nistar" (ocultar-se). A omissão seria proposital, mostrando que mesmo quando Deus parece se ocultar, sua mão invisível está agindo.

Particularmente não vejo relação entre os nomes "Ester", "nistar" e o agir oculto de Deus. Mas talvez exista relação entre Ester/Ishtar - Mardoqueu/Marduk.

Nistar e Ester
Jones F. Mendonça

quinta-feira, 8 de março de 2012

ORFISMO, PLATONISMO E CALVINISMO: O CORPO COMO PRISÃO DA ALMA

"Orfeu", Antonio Canova,
1776 - Museu Correr, Veneza
No século VI a.C. os órficos disseminaram na Grécia a ideia do corpo como prisão da alma. O Fédon (séc. IV a.C.) está repleto de frases que revelam a influência que Platão recebeu do orfismo. No Crátilo, o filósofo grego claramente atribui aos órficos tal concepção:
De fato alguns falam que o corpo é túmulo (sema) da alma, como se este estivesse nele enterrada [...] parece-me que foram sobretudo os seguidores de Orfeu a estabelecer este nome [...] Tal cárcere, portanto, como diz o seu nome, é custódia (soma), da alma (Crátilo, 400c).
No século XV me aparece Calvino com o mesmo discurso:
E Cristo, encomendando o espírito ao Pai [Lc 23.46], como também Estêvão o seu a Cristo [At 7.59], não entendem outra coisa senão isto: quando a alma é liberada do cárcere da carne (grifo nosso), Deus lhe é o perpétuo guardião [...]. Além disso, a não ser que as almas liberadas dos cárceres dos corpos (grifo nosso) continuassem a existir, seria absurdo Cristo representar a alma de Lázaro a desfrutar de bem aventurança no seio de Abraão, e a alma do rico, por outro lado, destinada a horrendos tormentos (Livro I, VI, 2).
No livro III Calvino fala a respeito do arrependimento como pré-requisito para o perdão dos pecados. A ideia do corpo como prisão da alma reaparece:
Portanto, enquanto habitamos no cárcere de nosso corpo, temos de lutar continuamente com as imperfeições de nossa natureza corrupta; na verdade, com nossa alma natural. Platão [citando o Fédon] diz algumas vezes que a vida do filósofo é a meditação da morte. Com verdade maior, podemos dizer que a vida do cristão é um contínuo esforço e exercício para a mortificação da carne, até que, morta inteiramente, o Espírito de Deus obtenha em nós o reino (Livro III, III, 20).
Por fim o "asceta francês" fala da morte como meio para se alcançar a perfeita liberdade:  
Se ser libertado do corpo é ser lançado à perfeita liberdade, que outra coisa é o corpo senão um cárcere (Livro III, IX, 4)?
Um Calvino 100% bíblico... sei...


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 7 de março de 2012

INCOERÊNCIA

Na época da ditadura protestava-se contra a falta de liberdade de expressão. A democracia venceu. Hoje, até mesmo os militares (da reserva, cf. a Lei 7.524/86) podem expressar suas opiniões políticas. A incoerência: querem puni-los por isso. 

Vai entender...


VIOLÊNCIA DE COLONOS ISRAELENSES CONTRA PALESTINOS AUMENTOU EM 2011

Qualquer pessoa já viu a imagem de uma criança palestina atirando pedras em automóveis como protesto pela ocupação israelense. Não é nenhuma novidade que homens-bombas explodem em Israel levando à morte pessoas inocentes. Está nos jornais, todo mundo sabe. Os palestinos são maus, dizem. Os israelenses são bons (afinal, são o "povo eleito"). Mentes ingênuas. Aprenderam, quando crianças, que no mundo há bandidos e mocinhos. Só. Distinguir entre "bons" e "maus", pensam, é uma tarefa relativamente simples: basta consultar os jornais. 

Provavelmente você nunca viu imagens de colonos israelenses atacando aldeias palestinas.  Misteriosamente elas não saem em jornais de grande circulação. Mas talvez... é, talvez, você queira conhecer o outro lado da história: 
  • A vingança dos colonos: AlJazeera (07/03/2012). 
  • Relatório do Gabinete para a Coordenação de Assuntos Humanitários no Território Palestino Ocupado: ISRAELI SETTLER VIOLENCE IN THE WEST BANK (traduzido pelo Google, original em inglês). 

Jones F. Mendonça

segunda-feira, 5 de março de 2012

TIO SAM E AS "VERDINHAS"


Fonte: Irancartoon

PLATÃO, PAULO E A MORAL CRISTÃ

"Juízo final" (fragmento do Paraíso)
Hieronymus Bosch
De acordo com Nietzsche, tanto o platonismo quanto o  cristianismo são ascéticos, negadores da vida. Nessa forma de encarar a existência, o mundo terrestre é visto como um vale de lágrimas, contrapondo-se ao mundo de felicidade eterna no além. O Sócrates próximo da morte, descrito no Fédon de Platão, deixa isso muito claro quando afirma que
a alma, aquilo que é invisível e que se dirige para um outro lugar, um lugar que lhe é semelhante, lugar nobre, lugar puro, lugar invisível, o verdadeiro país de Hades [...] país do Deus bom e sábio, lá para onde minha alma deverá encaminhar-se dentro em breve, se Deus quiser...[1].
Na visão de Nietzsche, Sócrates foi cristão antes do cristianismo. Ele teria sido o primeiro filósofo da moral: “Quando a melhor época da Grécia acabou, vieram os filósofos da moral: a partir de Sócrates, com efeito, todos os filósofos gregos são, antes de tudo, e no mais profundo de si mesmos, filósofos da moral”[2]. Sócrates questionou a legitimidade dos deuses gregos, exaltou incondicionalmente as virtudes, a justiça, o bem e a felicidade. Mas que relação há para Nietzsche entre a moral socrática, a moral judaica e a moral cristã?

Nos parágrafos 24 a 26, do “Anticristo”, Nietzsche faz uma análise da história dos judeus buscando entender a origem do cristianismo: “Limito-me a tocar aqui somente o problema da origem do cristianismo”[3]. Nietzsche entendia que Javé, o Deus nacional de Israel, formava uma unidade com o povo. Ele era o Deus da justiça e dele se esperava a vitória e a salvação. O povo lhe era grato pelo êxito político, pelas chuvas e pela prosperidade na agricultura e na criação do gado. Com o exílio, o “povo eleito” teria perdido a unidade com o seu Deus, já que não era mais possível compreender como um Deus justo poderia permitir tamanho infortúnio. Para Nietzsche, ao invés de abandonarem o seu Deus, “a noção que se possuía dele foi modificada – sua noção foi desnaturada [...] não era mais que um Deus no condicional...”[4]. Com isso, a noção de Deus se tornou um instrumento nas mãos dos sacerdotes, que passaram a interpretar toda a felicidade como recompensa e todo o castigo como resultado da desobediência: “uma vez que se eliminou do mundo, com a recompensa e com a punição, a causalidade natural, torna-se necessária uma causalidade antinatural”[5]. Para Nietzsche estaria aí o surgimento da moral judaica.

O cristianismo, uma espécie de “instinto judaico redivivo”[6], teria como representante o apóstolo Paulo, judeu de nascimento e pertencente a seita dos fariseus. Para Nietzsche, fora Paulo e não Jesus o fundador do cristianismo: “O que Paulo levou a termo, com o cinismo lógico de um rabino, era contudo simplesmente o processo de degradação que havia começado com a morte do Salvador”[7].
           
Viver no além e desfrutar de uma vida pura longe das paixões terrenas era um sonho vivenciado tanto por Sócrates, cerca de 400 anos antes de Cristo, como por Paulo, no século primeiro. A moral cristã, nascida a partir de uma matriz judaica e apoiada pela filosofia socrática[8], teria se perpetuado na civilização ocidental, niilista, por desejar o "nada". Tal projeto impulsionaria o homem a negar o querer-viver em detrimento de uma "vida imaginária".

Cristianismo sem dualismo platônico. Será?

Notas:
[1]PLATÃO. Diálogos: O banquete, Fédon, Sofista, Político. p. 91.
[2]Fra. Post., primavera de 1884, 25 apud MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. p. 56.
[3]NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. p. 48.
[4]Id. ibid. p.50.
[5]Id. Ibid., p. 51.
[6]Id. ibid.  p.55.
[7]Id. ibid. p.83.
[8] Id. ibid. p.52.


Jones F. Mendonça