quarta-feira, 25 de abril de 2012

A QUATERNIDADE EM PAUL TILLICH E CARL JUNG

O despir-se de Cristo (detalhe) - 1501
Francesco di Giorgio Martini
Dia desses numa conversa com um aluno, o Eduardo, surgiu o tema da ampliação da trindade pela incorporação de Maria. O fenômeno, vivenciado na prática por inúmeros católicos ao redor do mundo, tem recebido apoio de muitos padres (sem falar do apoio popular) para que ganhe o estatus de dogma. Eduardo estava escandalizado. Expliquei-lhe que a quaternidade é um tema caro a Carl Jung. O psicólogo suíço percebeu que a tetractys surge espontaneamente nos sonhos de seus pacientes como expressão do divino (entenda-se por "divino", uma imagem arquetípica). 

Jung chega a defender que a quaternidade como símbolo da divindade remonta à era pré-histórica, como as "rodas solares paleolíticas (?) da Rodésia". Resumindo: o dogma diz "três". O inconsciente insiste: "quatro". Resíduos arcaicos dos nossos ancestrais. 

Outro que discute a quaternidade é Paul Tillich. Pedi para que o Eduardo desse um pulinho na biblioteca e consultasse a teologia sistemática do teólogo alemão. Na letra "C" do capítulo 4 da parte IV vem o título: "reabrindo o problema trinitário". Eis o que ele diz:
Referências ao poder mágico do número três não são suficientes, pois outros números, por exemplo, o número quatro, ultrapassam o três na escala mágica [...]. O poder simbólico da imagem da virgem Maria desde o século 5 até os nossos dias impõe uma pergunta ao protestantismo, que afastou radicalmente este símbolo [a quaternidade] na luta da Reforma contra todos os mediadores humanos entre Deus e o ser humano. Neste expurgo, praticamente eliminou-se o elemento feminino na expressão simbólica de nossa preocupação última. O espírito do judaísmo, com seu simbolismo exclusivamente masculino, prevaleceu na Reforma. Sem dúvida, este foi um dos motivos para o grande sucesso da Contra-Reforma frente à originalmente vitoriosa Reforma. No próprio protestantismo, isto fez com que surgissem, no pietismo, imagens de Jesus bastante efeminadas; este fato também motivou muitas conversões às igreja grega e romana, e igualmente explica a atração do misticismo oriental sobre muitos humanistas protestantes. 
A trindade, a quaternidade e tantos outros símbolos emergem do inconsciente de forma involuntária. Muitos deles se tornam dogma não pela arbitrariedade de uma autoridade eclesiástica, mas pelo clamor dos fiéis. Nas palavras de Jung: "essa insistência, no fundo, é a ânsia do arquétipo em se tornar concreto". Como no catolicismo dogmas são irrevogáveis (cf. DS 2145), Maria permanecerá como co-redentora, num trono que apenas tangencia o círculo da trindade. Entre os protestantes a quaternidade buscará novas expressões. Será uma aparição velada, travestida, mas ela há de ressurgir. 

Jones F. Mendonça

4 comentários:

  1. Jones, você acharia então psicologicamente mais "saudável" uma elevação de Maria ao grau de divindade? Ou você vê algum outro caminho para uma feminilização de Deus (até que haja um equilíbrio masculino-feminino)?

    Isso é necessário? Parece-me um caminhar em direção aos deuses andróginos hindus... Sei lá, fico pensando se isso não seria uma espécie de heresia, porque não vejo isso na bíblia.

    Você acha possível conciliar isso com a fé cristã bíblica?

    Realmente, acho que há uma grande falta de feminilidade no protestantismo. Seria essa uma explicação para aquelas mulheres de certas igrejas legalistas que, diz o povo, não podem depilar a perna, as axilas, o bigode e até mais? A falta de um modelo feminino?

    Realmente, a visão cristã de Deus parece ser essencialmente machista. Sempre nos referimos a Deus como Pai, nunca como Mãe. Temos o "Pai-Nosso"...

    ResponderExcluir
  2. Anônimo,

    Jung limitou-se a fazer uma constatação: a relação com o "divino" se expressa mais plenamente por meio da quaternidade. O catolicismo resolveu o problema ampliando a trindade com a inclusão de Maria (ainda que não dogmaticamente). Paul Tillich percebeu a falta que faz ao protestantismo a figura feminina (um quarto elemento possível). Ele não defende a inclusão de Maria, apenas percebe o problema e pergunta:

    "existem, no simbolismo genuinamente protestante, elementos que transcendam a alternativa masculino-feminino e que possam ser desenvolvidos em oposição a um simbolismo determinado unilateralmente pelo elemento masculino?".

    Tillich apresenta sua proposta: "Deus como fundamento do ser", "o auto-sacrifício de Cristo" e "o caráter extático da Presença Espiritual", transcendem a alternativa do simbolismo masculino-feminino na experiência religiosa (p.730,731).

    Por fim Tillich declara: "a doutrina da trindade não está fechada. Não é possível nem descartá-la, nem aceitá-la na sua forma tradicional".

    Outra forma de resolver o problema seria converter o símbolo religioso em símbolo poético. Mas como bem percebeu Tillich: "símbolos poéticos não são venerados". Complicado, não?

    Quanto às beatas que escondem sua feminilidade, penso que isso tem mais a ver com a negação do mundo (ascetismo). A lógica é a seguinte: se o "mundo verdadeiro" é o outro, e se o "mundo falso" jaz no maligno, preciso fugir dele. Enfim, morrer para o mundo é morrer para a vida, para o prazer, para o belo. É claro que num mundo machista as mulheres sofrerão mais.

    Um abraço!

    ResponderExcluir
  3. Jones, eu me perdi ou o seu último parágrafo contradiz todo seu texto? Porque, se eu entendi, o símbolo da trindade é dogmático, e o da quaternidade, inconsciente. Mas aí você diz o contrário em sua conclusão, que os dogmas não são fabricados necessariamente por padres, mas pelo inconsciente, e, todavia, eles fabricaram o três - e não o quatro. Eu me perdi ou você tropeçou?

    ResponderExcluir
  4. O que quis dizer é que muitos dos dogmas religiosos nascem do nosso inconsciente (tanto a trindade como a quaternidade, e, além disso, a ressurreição, a concepção virginal, etc). O símbolo (que está aberto a muitas interpretações) torna-se dogma pelas mãos do sacerdote.

    Post de fim de noite, cansado após um dia de trabalho. É nisso que dá. Concordo que não fui claro na conclusão. Vou reformular.

    ResponderExcluir