segunda-feira, 25 de novembro de 2013

SOLA TRADITIO

“Toda a Escritura é divinamente inspirada...”, diz-nos um verso da segunda carta a Timóteo (2Tm 3,16). Tal “Escritura” não pode ser uma referência a Bíblia completa tal como conhecemos hoje (Antigo e Novo Testamento) por duas razões óbvias:

1) A Bíblia só ganhou sua forma atual no século IV, após muitas divergências quanto à canonicidade de alguns escritos que circulavam entre os cristãos.
2) No verso anterior o autor da carta exalta Timóteo por conhecer “desde a infância as sagradas letras”.

No tempo da infância de Timóteo os quatro Evangelhos sequer existiam. “Escrituras”, neste texto, é uma referência às Escrituras judaicas (Tanak) na qual Timóteo fora instruído como filho de uma mulher judia (cf. At 16,1-3).

É verdade que a carta de Pedro atribui valor escriturístico a alguns escritos de Paulo (2Pe 3,16), mas a carta só foi escrita na década de 80 e com certeza não abrange todo o material que compõe o Novo Testamento. Apocalipse, por exemplo, só foi escrito cerca de uma década depois e as epístolas gerais não são mencionadas.

Para crer que a Bíblia é a Palavra de Deus é preciso apelar à inspiração e inerrância dos hagiógrafos, à exatidão dos copistas e por fim à orientação divina aos padres que decidiram o cânon no final do século IV. Enfim, para crer que a Bíblia é a palavra de Deus é preciso crer na tradição.

E me aparece um sujeito ingênuo berrando aos quatro cantos: “sola scriptura”.



Jones F. Mendonça

13 comentários:

  1. Olá Jones!


    Gosto de seu blog e venho sempre aqui ler alguns de seus artigo.Também recebo atualizações por e-mail,pois sou seguidor do Numinosum.

    Mas vou discordar de você,ok!?

    Perguntas:
    O que o NT diz a respeito de si mesmo? Aplica ele tais designações como "Escritura" e "palavra de Deus" a si próprio?

    Respondendo

    . Escritura(s). Uma breve consideração de 1 Timóteo 5:18 é apropriada. "Pois a Escritura declara: 'Não amordaces o boi quando pisa o grão' e ainda "O trabalhador é digno do seu salário" (ARA). A primeira citação deriva de Deuteronômio 25:4 e é considerada como "Escritura."
    A segunda citação consiste em um dito de Jesus registrado em Lucas 10:7: "O trabalhador é digno de seu salário" (cf. Mateus 10: 10). O próprio dito de Jesus é coberto pela fórmula introdutória para a citação da Escritura, "a Escritura diz."
    Paulo se refere ao Evangelho canônico de Lucas como Escritura podemos estar totalmente certos a respeito disso, pois fraseado afirma que pelo menos um dito de Jesus (ou uma coleção de seus ditos como um Evangelho) tinha o status de "Escritura" quando Paulo escreveu 1 Timóteo."É impressionante que Paulo ponha esta citação ao pé da letra do Evangelho de Lucas no mesmo nível que o AT e chama ambas as citações de 'Escritura'."
    O segundo exemplo vem do livro de Atos. A pregação das Boas-Novas por Filipe é designada como sendo "a palavra de Deus" (Atos 8:12-14). A proclamação do evangelho é repetidamente descrita como "a palavra de Deus."


    Em tempo
    A referência às "demais Escrituras" em 2 Pedro 3:16.
    Está claro que dentro do argumento concernente às cartas de Paulo "nas quais há certas coisas difíceis de entender" indica que Pedro aqui "põe os escritos de Paulo no nível das outras Escrituras inspiradas.

    Pense

    Abraço

    Flaviano Filho

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  2. Flaviano,

    Quanto à prescrição de Jesus: "digno é o trabalhador do seu salário" (Mt 10,10 e Lc 10,7), retomada em 1Tm 5,18 e também - de maneira mais livre - em 1Co 9,14 e Gl 6,6, penso se tratar de uma prescrição rabínica popular no primeiro século inspirada na Torá e não numa citação de Lucas.

    Tal prescrição baseia-se em Dt 24,14-15 "Não oprimirás o trabalhador pobre e necessitado [...] No mesmo dia lhe pagarás o seu salário". No próximo capítulo vem a nova prescrição: "Não atarás a boca ao boi quando estiver debulhando" (Dt 25,4), unida à primeira em 1Tm 5,18.

    Quanto a Pedro citando Paulo, lembro que não sabemos que "outras Escrituras" são essas. Há quem negue a autoria paulina para algumas cartas atribuídas a ele. Seria um anacronismo gritante pensar que essas "outras escrituras" são aquelas canonizadas no século IV como sendo de autoria paulina.

    Releia meu texto. Não neguei que cristãos do primeiro século já considerassem "Escrituras" PARTE do que foi escrito pelos apóstolos. O que eu disse é que "Escrituras" em 2Tm 3,16 é uma referência ao AT.

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  3. Ah, e para finalizar, lembre-se que o cânon foi decidido por um grupo de pessoas. Por isso insisto: "Escritura é também tradição".

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    1. Concordo que Cânon foi decidido por um grupo de pessoas.Mas eles tiveram critérios para decidir quais os livros que eram inspirado.Dai vocábulo cânon ser aplicados ao 27 livros.

      Ah,para finalizar, a inspiração dos livros precede os concílios.
      Portanto, não sei se aceito adoção do termo "tradição" para a escrituras.

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  4. Desculpas por remover alguns comentários.Mas tive que faze-lo,porque eram longos.Afinal seu blog não é um fórum de debate.

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  5. Bem, eles acabam chegando assim mesmo via e-mail. Não há problemas.

    Talvez eu não tenha sido claro. Veja, mesmo que a "inspiração" preceda o "cânon definitivo", um grupo de pessoas fez a escolha de acordo com critérios que ele mesmo criou. Não basta preceder o cânon, é preciso saber com que autoridade "determinaram" quais tais livros eram inspirados.

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    1. O erro é pensar que alguma tradição ou algum concílio tenha DEFINIDO um cânon, quando, na verdade, ninguém definiu cânon algum, mas apenas RECONHECEU os livros que eram inspirados pelo Espírito Santo. O evangelho de Mateus, por exemplo, sempre foi inspirado, ele não passou a ser inspirado a partir do dado momento em que um concílio como o de Hipona ou Cartago afirmou isso. Ou seja: Deus inspira os livros, que possuem inspiração inata a eles; aos homens cabe apenas reconhecer isso, através da revelação e discernimento do Espírito Santo. Não é a Bíblia corroborando com a tradição, nem muito menos com qualquer tradição, pois o próprio Cristo rejeitou a tradição oral dos fariseus e disse que corrompia as Escrituras, e Paulo disse para rejeitarmos toda tradição que não se fundamenta em Cristo, mas em argumentos humanos.

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  6. Flaviano, há vários cânons: católico, copta, protestante... Como saber sobre qual deles é o verdadeiro. É preciso entender isso.

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