quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O JESUS E O DAVI HISTÓRICO

Gerd Theissen, no prefácio de “O Jesus histórico: uma manual” (que acabo de adquirir):
A ciência não diz “foi assim”, mas “poderia ter sido assim com base nas fontes”. [...] A ciência nunca diz “é assim”, mas “assim se nos apresentam as coisas no estado atual das pesquisas” – e isto significa: “no estado de nossos acertos e erros”. [...] A ciência não diz “este é o nosso resultado”, mas “este é o nosso resultado com base em determinados métodos” (THEISSEN, 2002, p. 13,14). 
Com o Antigo Testamento não é diferente. Durante muito tempo os arqueólogos duvidaram da existência de Davi. Não questionavam a existência do personagem israelita simplesmente porque queriam implicar com os religiosos, mas porque a declaração de sua historicidade não estava fundamentada em evidências. Quando em 1993/94 a estela de Tel Dan foi descoberta no norte de Israel (lia-se nela: “byt Dvd” = casa de Davi), restaram poucas dúvidas de que um indivíduo israelita chamado Davi de fato existiu e foi importante o suficiente para fundar uma “casa de Davi”.

Mas a estela não diz que ele foi um rei que governou todo o Israel como uma monarquia unificada (até o momento as evidências apontam em outra direção). Nem que matou Golias ou que teve atritos com um filho chamado Absalão ou que participou de uma série de outras aventuras narradas na Bíblia. A ciência porá em cheque todas essas narrativas. Fará isso não porque deseja implicar com os religiosos, mas porque “assim se nos apresentam as coisas no estado atual das pesquisas” – e isto significa: “no estado de nossos acertos e erros”.

Amanhã, quem sabe, novas descobertas poderão mudar completamente o que sabemos sobre o Antigo Israel no período do Bronze recente. Tais descobertas poderão depor a favor da historicidade de determinadas narrativas bíblicas. Mas também poderão depor contra, afinal, como nos diz Theissen: “nosso resultado [é baseado] em determinados métodos”. Se as evidências, examinadas sob determinados métodos, apontam para o sul, não há porque seguir para o norte. A menos que se coloque a ciência sob o cabresto da fé. Neste caso não poderá ser chamada de ciência.  Será mero instrumento do dogma.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIMENSÃO ESCATOLÓGICA DE ISAÍAS 24-27

De todos os livros classificados como proféticos, quatro merecem uma atenção especial uma vez que são considerados os primeiros profetas escritores: Isaias, Amós, Oseias e Miqueias.  Os quatro exerceram sua atividade no século VIII a.C., um período marcado pela prosperidade no reino do Norte governado por Jeroboão II. É forte a ênfase desses profetas nos problemas sociais provocados pela concentração da riqueza nas mãos da classe dirigente.

Mas na leitura e interpretação desses livros devem ser levados em conta os acréscimos e interpolações feitas em épocas tardias. O livro de Isaías, por exemplo, tem sido dividido em três partes, elaboradas, no mínimo, por três autores: Proto-isaías (pré-exílico, Is 1-39), Dêutero-Isaías (exílio, Isa 40-55) e Trito-Isaías (pós-exílico, Is 56-66). Há várias pistas que depõem a favor dessa distinção, mas quero me concentrar nos acréscimos e interpolações tomando como referência os vestígios da presença de um pensamento escatológico mais evoluído em textos erroneamente atribuídos ao Proto-Isaías. O trecho em questão: Is 24-27 (chamado de "'apocalipse' de Isaías"). Ainda que estejam inseridos no bloco atribuído ao Proto-Isaías, tais capítulos se enquadram muito melhor no período pós-exílico.

A descrição de uma ruína cósmica em Is 24 (“castigará os exércitos do alto nas alturas, e os reis da terra sobre a terra”, cf. 24,21), o uso de símbolos mitológicos (“com sua espada severa... castigará o Leviatã”, cf. 27,1), o universalismo (“o Senhor dos exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete”, cf. 25,6), a crença na ressurreição (“os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão”, cf. 26,19) e o forte desejo por um futuro radicalmente diferente, expresso na esperança de que Deus fará “desaparecer a morte para sempre” (25,7) e que vai “enxugar as lágrimas em todos os rostos” (25,8), refletem o desespero diante da decadência da comunidade pós-exílica.

Além de todos esses elementos, tipicamente presentes em textos pós-exílicos, outro indício bem forte da composição tardia do texto é Is 27,12:
Naquele dia o Senhor padejará o seu trigo desde as correntes do Rio [Eufrates], até o ribeiro do Egito e vocês, israelitas, serão ajuntados um a um”.
O texto supõe uma diáspora dos israelitas, referência a parte do povo que se fixou principalmente na Mesopotâmia e no Egito após a queda de Jerusalém nas mãos de Nabucodonosor em 587 a.C. A datação do texto, portanto, deve ser situada, no mínimo, para o período o exílio (587-537).

Há dois textos que merecem uma investigação melhor. O primeiro, particularmente curioso, aparece em 24,21:
Naquele dia Yahweh visitará o exército do alto nas alturas, e os reis da terra sobre a terra. E serão ajuntados como presos numa cova, e serão encerrados num cárcere; e serão punidos depois de muitos dias”.
Há quem pense que “exército do alto” (tzeba hamarom) seja uma referência aos “falsos deuses”, mas nessa época o henotismo já havia sido superado pelo monoteísmo. Talvez seja apenas um elemento mitológico tomado das nações vizinhas, como em Is 14. O texto pode ter sido utilizado como matriz para o desenvolvimento da crença nos “anjos caídos”, cuja história é contada em detalhes no livro apócrifo de 1Enoque (II séc. a.C.) e repetida em livros canônicos como Judas (6,7) e Apocalipse (12,7-9).  

O segundo texto é o que fala da ressurreição dos mortos (26,19).
Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó; porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras fá-lo-ás cair.
É possível que a referência aí seja ao crescimento numérico do povo de Israel, abalado pela dramática experiência do exílio. “Ressuscitar” (qutz), nesse sentido, seria uma metáfora poética, como na visão de Ez 37. Mas se levarmos em conta os textos do Trito-Isaías, sua ênfase na renovação radical do mundo (65,17), e a longevidade restituída aos israelitas, tal como experimentada pelos antigos patriarcas (“quem morrer aos cem anos ainda será jovem” e “terá vida longa como as árvores”, cf. 65,20-22), parece-me mais provável pensar, considerando ainda a presença de tantos elementos de uma teologia tardia, na hipótese de que se trata mesmo de uma referência à ressurreição dos mortos tal como aparecem nos livros de Daniel (12,1-3) e I Enoque (51). Caso seja esta a interpretação correta, será preciso deslocar a redação do texto para o II século a.C. Neste caso Is 24-27 constituiria uma obra à parte do Proto-Isaías, Dêutero-Isaías e Trito-Isaías.  


Jones F. Mendonça


domingo, 23 de fevereiro de 2014

PI, O TIGRE E O TROVÃO

O personagem Pi, do filme, encantava-se com forças caóticas e cegas da natureza. Inicialmente enamorou-se por um tigre. Depois por uma tempestade no umbigo do mar. Mas tigres são perigosos, devoram dóceis cervos, mostrou-lhe seu pai. Tempestades destroem barcos e ceifam entes queridos, ensinou-lhe a vida.

O homem primitivo também se encantava com as forças da natureza. Personificou-as. Deu-lhes nome. Achou poder controlá-las com ritos, oferendas e invocações específicas. Pensava poder domesticar impulsos selvagens e irracionais.

Influenciados por uma nova doutrina, certos povos passaram a situar essas forças personificadas num outro mundo, num ambiente supra-terreno. Identificaram o belo com o bom. O “outro mundo” foi concebido como lugar ideal. Desejaram o nada. E assim nasceu o asceta. E assim nasceram as religiões da moral.


Jones F. Mendonça


VERSUS AVESTA

Para uns: polícia “do mal” versus manifestantes “do bem”. Para outros: heróis fardados versus turba de bandidos em desordenada exibição.

Rasas simplificações. Retórica perversa que ilude incautos. Lógica medíocre semeada e cultivada no universo digital. Discursos hiperbólicos num mundo bi-polarizado.

Curtir, compartilhar, incitar, enganar, atacar, mentir, dissimular. Cizânias sem fim.  Prédica rota num mundo em constante convulsão.

Brasil seccionado, transmutado, transversalizado pelo fluxo contínuo de ideologias que se revezam no vale do Amargedom.

Triste legado de Maniqueu!


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O QUINTO LIVRO DE CALVINO

João Calvino escreveu suas Institutas em quatro volumes. A obra expõe com detalhes a doutrina elaborada pelo reformador francês que se instalou inicialmente em Basileia, na Suíça, fugindo das perseguições que ocorriam na França. O teólogo de Noyon diz no livro I (XVII, 13) que a ira divina não deve ser identificada como a ira experimentada pelos meros mortais. Trata-se de um antropomorfismo. Quando o texto afirma que Deus se arrependeu, ou ficou irritado, ou se entristeceu – explica o reformador - o leitor deve ter em mente que essa é apenas leitura feita sob a perspectiva humana. Se Deus é imutável, impassível e atemporal logo não pode ter sentimentos semelhantes aos dos humanos, conclui o reformador.

Faltou-lhe antropomorfizar o amor divino e todo o discurso que a teologia vem apresentando sobre Deus. Três séculos depois e me aparece Feuerbach...



Jones F. Mendonça

O QUADRO NÚ


O sujeito vai a Galleria degli Uffizi, Florença, Itália. Depara-se com “A anunciação” (1472-1474), de Da Vinci. Nela aparecem, numa imobilidade solene, Maria e o anjo Gabriel. A obra retrata, numa perspectiva renascentista, o anúncio do nascimento de Jesus à Virgem, escolhida para gerar o Salvador (cf. Lc 1,26). Um belo quadro.

O tal sujeito é um sujeito de fé. Crê no dogma do nascimento virginal, na Maria como virgem não injuriada em sua virgindade e mãe de Deus, Theotokos, Dei genitrix, Mater Christi, simultaneamente mãe de Deus e de Jesus, aquela que “ora pro nobis” como versa a ladainha. Vem-lhe à memória o texto de Is 7,14, citado por Mateus (1,23), que o interpretou como profecia messiânica. A fé aquece-lhe a alma. Com os olhos rúbidos ele se recolhe emocionado num canto. Minutos depois deixa a sala.

Atrás do sujeito de fé vem um estudante de arte. Atem-se ao fundo da tela. Percebe que atrás da Virgem e do anjo há uma paisagem tipicamente toscana, com características ciprestes e montanhas rochosas. Mais ao fundo nota uma pequena cidade lacustre do norte da Itália. Depois foca sua atenção nos gestos, na mesa de mármore na frente da Virgem, nas vestes e nas asas do anjo, realisticamente inspiradas nas asas de um pássaro. O estudante sabe que apesar de tradicionalmente atribuída a Da Vinci, exames minuciosos tem demonstrado que a tela provavelmente recebeu pinceladas de outros artistas (Ghirlandaio? Verrocchio?). Com a alma embevecida ele se vai.

Quando examino as páginas da Bíblia observo como o segundo sujeito. Atenho-me aos detalhes, aos anacronismos, às diferentes camadas do texto, sobrepostas como se fossem obra de um único artista. Vejo Isaías em mil tons, os retoques feitos em Jó, as marcas dos muitos pincéis que compuseram o Pentateuco, as intervenções tardias feitas em Oseias. É o que vejo. Não me deixo cegar pela devoção. Ainda assim, extasio-me.


Jones F. Mendonça


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

ARQUEOLOGIA BÍBLICA E CIÊNCIA

O trabalho do arqueólogo ou historiador que se debruça sobre a região da Siro-Palestina e não vê como históricos determinados eventos relatados no Antigo Testamento geralmente é visto como ateu ou anti-sionista, dadas as implicações negativas de suas teorias para a credibilidade da fé judaico-cristã e na reivindicação de Israel pelo território por ele atualmente ocupado. Dois exemplos de profissionais que atuam nessa área de pesquisa e negam, por exemplo, a historicidade do Êxodo e da ocupação de Canaã pela força das armas sob a liderança de Josué tal como apresentada no relato bíblico são Israel Finkelstein (arqueólogo) e Mario Liverani (historiador).

Ainda que a Bíblia descreva a saída dos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó do Egito, sua peregrinação pelo deserto e a tomada violenta das cidades cananeias como Jericó, Ai e Hazor, qualquer historiador comprometido com a ciência e seus métodos se esforçaria para demonstrar se tais eventos de fato ocorreram ou não passam de lendas religiosas elaboradas por sacerdotes e líderes regionais.  Muita gente acha que esse trabalho crítico é feito apenas em relação ao relato bíblico, constituindo uma espécie de perseguição com o propósito de destruir a fé de milhões de pessoas ao redor do mundo. Mas isso não é verdade. Para citar um exemplo, posso apresentar o trabalho crítico feito pelo historiador Prado Custódio (Alexandre Magno: aspectos de um mito, Annablume, 2006).   Não se trata, como pode sugerir o título do livro, de uma tentativa de demonstrar que o proeminente líder macedônio não existiu, mas de apresentar evidências de que o próprio Alexandre tentou divinizar sua linhagem e sua pessoa a fim de parecer mais que um simples homem. Quem de fato foi Alexandre? Pergunta-se o historiador.  Qual o grau de historicidade da Bíblia? Pergunta-se o mesmo o mesmo sujeito interessado em reconstruir a história.

Cabe ao historiador reunir evidências que demonstrem a plausibilidade ou implausibilidade de relatos registrados pelas mais diversas culturas. No caso do Êxodo, por exemplo, não há qualquer registo, seja no Egito ou nos povos vizinhos, de uma fuga em massa de pessoas em direção à costa Oriental do Mediterrâneo em meados do segundo milênio a.C. Tampouco há vestígios arqueológicos no deserto que possam confirmar que tão grande números de pessoas (cerca de três ou quatro milhões!) tenha permanecido no deserto por aproximadamente quatro décadas.  A falta de documentos ou registros arqueológicos não implica necessariamente na negação do Êxodo ou de outros relatos presentes na Bíblia, mas torna sua existência pouco plausível sob o ponto de vista histórico. As saídas encontradas por pesquisadores religiosos para lidar com esse desconforto e manter a credibilidade do relato têm sido diversas. Há quem sugira um erro do copista no trecho que registra o número de hebreus que saíram do Egito. Um número reduzido de fugitivos tornaria o relato mais crível considerando que seria natural a ausência de vestígios tão evidentes. Outros propõem uma tradução diferente para o termo “elef”, traduzido por “mil” em Ex 12,37. O fato é que não se pode mais lidar com o texto bíblico de maneira ingênua e acrítica.

Quanto à tomada das cidades cananeias tais como Jericó, Ai, Libna e Hazor os problemas não são menores. Ora, se não houve uma fuga maciça de hebreus vindos do Egito, de onde vieram os israelitas e como puderam conquistar cidades fortificadas? Relatórios feitos a partir da análise do material escavado em Jericó sugerem que as muralhas da cidade já estavam destruídas quando os israelitas chegaram à região. Na opinião de alguns arqueólogos o relato da destruição da cidade presente no livro de Josué seria uma espécie de conto etiológico com o objetivo de explicar a presença de ruínas de uma antiga cidade. Mas há quem discorde, como o arqueólogo Bryant Wood.

Registros arqueológicos tem demonstrado que por volta de 1200 a.C. a costa mediterrânea que vai do norte da Síria ao Egito foi abalada por invasões de povos vindos do mar (dentre eles os filisteus), causando destruição em diversas cidades-estado da região. Tal invasão parece coincidir com o estabelecimento dos israelitas na Palestina. A estela de Merneptah (1207 a.C.) confirma a existência de um povo chamado Israel na região, mas é difícil dizer com certeza se esse grupo pode ser identificado com os israelitas da Bíblia. Há quem prefira o termo proto-israelita (William G. Dever). Outros sugerem uma tradução diferente. A referência seria a Jezreel, um vale que fica ao norte, nas proximidades do Mar da Galileia e não a Israel. Mesmo que consideremos que o documento se refira a um povo chamado Israel, outras perguntas se impõem:  Trata-se de um grupo étnico bem definido? Nômades? De onde vieram?

Quando o assunto é a monarquia israelita a discussão fica acirrada. Hoje ninguém (ou quase ninguém) duvida da existência de um rei chamado Davi, ou melhor de um líder israelita chamado Davi (a estela de Tel Dan refere-se a uma “beyt David” = “casa de Davi”). Mas faltam evidências arqueológicas concretas que atestem a existência de uma monarquia unificada sob a liderança desse israelita, por isso ele tem sido tratado por alguns estudiosos (como Israel Finkelstein) com mero líder tribal. Eilat Mazar, por outro lado, insiste que há evidências suficientes para dar crédito ao texto bíblico, que apresenta Davi como um rei que governou todas as tribos israelitas a partir de um palácio em Jerusalém.

É importante ressaltar que muitas das dúvidas quanto à historicidade de alguns relatos bíblicos não se apoia apenas na arqueologia. Uma leitura atenta do texto hebraico revela anacronismos que não podem ser negligenciados. Histórias duplicadas, nomes diferentes para um mesmo local, interpolações no texto, palavras persas e aramaicas em textos supostamente antigos favorecem a opinião de que os textos conheceram um longo processo redacional. Na opinião dos mais otimistas, relatos como o do Êxodo, da conquista de Canaã, das aventuras do rei Davi e da construção de um magnífico templo pelo rei Salomão possuem ao menos fundo histórico. Para os mais pessimistas toda a narrativa do Antigo Testamento não passa de uma invenção pós-exílica empreendida por pessoas instruídas que viviam em Jerusalém. Pessoalmente não sou tão pessimista assim. Mas também nem ingênuo e nem tão cego. 


Jones F. Mendonça

domingo, 2 de fevereiro de 2014

SANGUE DE PRATA

“Seus líderes julgam a troco de suborno, seus sacerdotes ensinam por lucro, e seus profetas adivinham em troca de prata” (Miqueias de Moréshet – século VIII a.C.).


Jones F. Mendonça

sábado, 1 de fevereiro de 2014

DAVI E JÔNATAS: AMOR E POLÍTICA

Davi e Jônatas, por Cima da
Conegliano - 1505-10
Almas ligadas...
“A alma (néfesh, fôlego de vida) de Jônatas ligou-se com a alma de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma” (1Sm 18,1);

Melhor que o amor de mulheres...
“Maravilhoso me era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres” (2Sm 1,26);

Um afeição muito grande...
“Porém Jônatas, filho de Saul, estava muito afeiçoado a Davi” (1Sm 19,1);

Amor profundo...
 “Porque o amava com todo o amor da sua alma” (1Sm 20,17);

Amor e política I...
“E Jônatas se despojou da capa que vestia, e a deu a Davi, como também a sua armadura, e até mesmo a sua espada, o seu arco e o seu cinto” (1Sm 18,4);

Amor e política II (e Saul ainda era vivo...)
“e Yahweh seja contigo, assim como foi com meu pai” (1Sm 20,13-16).

Deixando de lado a polêmica a respeito do tipo de amor que unia Davi e Jônatas, há algo muito claro na intenção do redator:

-Davi é digno da realeza;
-Saul é indigno;
-Jônatas, o herdeiro legítimo, aprova ser substituído por Davi (!).

Quer saber dos herdeiros de Saul, morto numa batalha ao lado de três de seus filhos?
Isboset, filho de Saul, foi traído por seus homens, tendo seu ventre rasgado enquanto dormia (2Sm 4). Mefiboset, neto de Saul e herdeiro legítimo do trono (aleijado e relativamente inofensivo), passou o resto dos seus dias no palácio sob os olhos atentos do rei. Quanto aos demais herdeiros, ameaças reais ao trono ocupado por Davi:
...o rei [Davi] tomou os dois filhos de Rizpa, filha de Aías, que ela tivera de Saul, [...] como também os cinco filhos de Merabe, filha de Saul, que ela tivera de Adriel, [...] e os entregou na mão dos gibeonitas, os quais os enforcaram no monte, perante Yahweh (2Sm 28,8-9).
É, não sobrou ninguém da “casa de Saul” para reivindicar o trono (exceto Mica? Cf. 2Sm 9,12). E você ainda acredita na inocência de Davi? 



Jones F. Mendonça