quinta-feira, 31 de julho de 2014

POSLÚDIO [RÉQUIEM PARA GAZA NUMA IGREJA CRISTÃ QUALQUER]

- Dizem que morreram mais de mil.
- Meu Deus! E tem criança?
- Muitas.
- E quem fez isso?
- Tropas de Israel.
- Ah, então pode.




Jones F. Mendonça

segunda-feira, 28 de julho de 2014

É TUDO IGUAL... MAS SÓ PARA OS OUTROS

Zeca é cristão católico apostólico romano e odeia ser confundido com evangélicos pós-denominacionais. Maneco é cristão protestante batista tradicional e não suporta ser confundido com membros do deuteropentecostalismo. Silva é espírita kardecista e fica indignado quando é confundido com um umbandista ou seguidor do candomblé. Samuel é judeu liberal e fica uma fera quando o confundem com um sefardita haredi.

Mas Zeca, Maneco, Silva e Samuel acham que árabes são todos iguais. Que militantes armados como o Hezbollah, Hamas, Gihad islâmica, ISIS e Al Qaeda lutam pela mesma causa. Que xiitas, sunitas, alauitas, drusos e sufistas são todos fanáticos religiosos. Que iraquianos, sauditas, sírios, palestinos, jordanianos, libaneses e iranianos são um só povo.  

Que falta faz Aristóteles...



Jones F. Mendonça

A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA ONTEM E HOJE II

A comunidade ortodoxa haredi atribuiu a morte dos três meninos israelenses no mês passado aos pecados dos seus pais: “Eles causaram a morte de seus filhos, e eles devem fazer teshuvá [se arrepender] por suas ações”.


A “boa” e velha teologia deuteronomista. Há algo novo debaixo do sol?


Leia no The Jewish DailyForward.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA ONTEM E HOJE

Uma das características da teologia deuteronomista - lente por meio da qual foi interpretada a história de Israel da posse da terra ao exílio (Js – Rs) - é a teologia da retribuição, inspirada em textos do Deuteronômio (como Dt 28,15). A mão do deuteronomista é rara no tetrateuco, mas em Nm 11,1-3 ela aparece com toda a sua força: 
1 Depois o povo tornou-se queixoso, falando o que era mau aos ouvidos do Senhor; e quando o Senhor o ouviu, acendeu-se a sua ira; o fogo do Senhor irrompeu entre eles, e devorou as extremidades do arraial. 2 Então o povo clamou a Moisés, e Moisés orou ao Senhor, e o fogo se apagou. 3 Pelo que se chamou aquele lugar Tabera, porquanto o fogo do Senhor se acendera entre eles.
A sequência: falta/sanção/intercessão/cura, é clara: 1) O povo fala mal de Moisés, 2) Javé pune o povo com fogo, 3) Moisés intercede pelos faltosos, 4) a ira de Javé é aplacada e o fogo se apaga. A teologia deuteronomista ainda faz sucesso, principalmente nas igrejas neopentecostais. A diferença é que no antigo Israel a ira de Javé era aplacada com jejuns, orações, sinais de humilhação e arrependimento. Hoje isso é feito com dinheiro. Não sei se ficou mais caro ou mais barato.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 24 de julho de 2014

PARA ULTRA-ORTODOXOS JAVÉ AINDA É O SENHOR DA GUERRA (MAS NÃO DO DINHEIRO)

Shalon Cohem, líder do Shas, um partido religioso de Israel, disse que o país não precisa de um exército para protegê-los, afinal “É Deus todo-poderoso que luta por Israel”. Uri Regev, o diretor-geral da Hiddush - organização que defende a liberdade religiosa e a igualdade -, não perdeu tempo: 
Se o país não precisa de um exército, então não há dúvida de que as yeshivas (escolas religiosas) e estudantes da Torá não precisam de auxílio financeiro [...]. A partir de agora eles podem colocar a sua fé no Senhor quando se trata de pedir dinheiro para financiar os seus sistemas de ensino. Vamos ajudar os ultra-ortodoxos a fazer fervorosas orações para que o dinheiro comece a crescer em árvores.

Falou o que não devia, ouviu o que não desejava.

Leia no The Jerusalem Post (link já traduzido pelo Google):  



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 23 de julho de 2014

A PALESTINA NUNCA EXISTIU?

Não dá para compreender os conflitos que atualmente assolam o Oriente Médio  sem conhecer a história da ascensão e queda do Império Otomano e a divisão de parte de seu território entre a Grã-Bretanha, a Itália e a França. Ao contrário dos judeus vindos da Europa, acostumados com a noção de Estado-Nação, os habitantes árabes da Palestina (até o final da Primeira Guerra Mundial) viviam em vilas ou cidades multi-religiosas e sem fronteiras pertencentes ao Império Otomano. Mas o fato de não possuírem (como os judeus que migraram para a Palestina) a noção que o mundo moderno tem de "Estado nacional" implica na negação da existência do povo palestino? 

Uma excelente explanação a respeito do tema pode ser lida no Blog de Guga Chacra


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 18 de julho de 2014

AS CARTAS DE AMARNA, OS REIS CANANEUS E A FORMAÇÃO DE ISRAEL

Em 1887, cerca de 350 tabuletas de argila foram encontrados em el Amarna, capital do faraó Akhenaton. Elas foram escritas em caracteres cuneiformes na linguagem diplomática, o acadiano. A maior parte dessas correspondências foi datada para os reinados de Amenhotep III (1402-1364) e Akhenaton (Amenhotep IV, 1350-1334). Atualmente encontram-se expostas em museus europeus (200 em Berlim, 80 no Museu Britânico e vinte em Oxford). 

Esses documentos refletem a ativa correspondência entre a administração egípcia e seus representantes em Canaã e Amurru. Também revelam o estado das relações internacionais entre o Egito e as grandes potências do Oriente Médio (Babilônia, Mitani e Assíria) e os países menores, como Arzawa no oeste da Anatólia. 

Um dos problemas enfrentados pelos reis cananeus no final do século XIV a.C. era a ameaça que vinha dos ‘apiru (pessoas de origem variada, fora da ordem social - os hebreus?), como atesta este carta escrita pelo rei Abdu-Heba, de Jerusalém: 
Os ‘apiru saqueiam os territórios do rei. Se houver arqueiros [aqui] este ano, todos os territórios do rei permanecerão [intactos]; mas se não houver arqueiros, os territórios do rei, meu Senhor, estarão perdidos! 

Uma excelente obra que relaciona as cartas de Amarna ao contexto político, social e econômico de Canaã no Bronze Recente, pode ser encontrada em “Para além da Bíblia”, de Mario Liverani (aqui, aqui e aqui). As cartas de Amarna estão disponíveis (em inglês), neste site.


Jones F. Mendonça

APRENDA A LER HIERÓGLIFOS

Lições introdutórias, fontes, exercícios, documentos como a Estela de Metnephah e a história de Sinuhe, aqui


Jones F. Mendonça

A GUERRA EM GAZA FOI UMA ESCOLHA DE ISRAEL E DO OCIDENTE

Resumo da análise de Nathan Thrall, do Instituto Crisis Group, publicada no New York Times (17/07/2014):

Diante do enfraquecimento da aliança do Hamas com a Síria e o Irã; do fim do apoio da irmandade muçulmana que governava o Egito (caiu após um golpe em julho de 2013) e o consequente fechamento dos túneis que abasteciam Gaza com suprimentos e armas, o Hamas se viu cada vez mais isolado, passando a ser alvo de protestos populares em Gaza. A alternativa encontrada pela liderança do grupo foi abrir mão do controle oficial do território, daí a aliança entre o grupo islâmico e a OLP. No intuito de minar o acordo, Israel suspendeu o salário de 43 mil funcionários públicos que trabalhavam para o governo do Hamas em Gaza. O Hamas, encurralado e sem nada a perder, buscou através da violência o que não foi possível pela via política. Ele conclui: 
The current escalation in Gaza is a direct result of the choice by Israel and the West to obstruct the implementation of the April 2014 Palestinian reconciliation agreement.



Jones F. Mendonça

sábado, 12 de julho de 2014

CRUZADAS INACABADAS

Desde que os EUA invadiram o Iraque, em 2003, o número de cristãos no país tem diminuído. Antes da intervenção militar: um milhão e meio de cristãos. Depois da intervenção: menos de quatrocentos mil. Lembro-me bem, em 2003 muitos cristãos aplaudiram a ação militar argumentando que com a queda de Saddan Russein as barreiras de impedimento para o trabalho missionário dos cristãos cairiam.  George Bush convenceu a todos de que se tratava de uma guerra entre o “bem” e o “mal”. Ingênuos...

Leia a respeito da situação dos cristãos no Iraque News:


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 11 de julho de 2014

MAGIA E ADIVINHAÇÃO NA ANTIGA PALESTINA E SÍRIA

Quem lê com atenção a Bíblia hebraica percebe que as antigas tradições de Israel, após ganharem a forma escrita, passaram por um processo redacional contínuo ao longo dos séculos.  Os textos, retocados e moldados de acordo com a teologia da época, deixaram “impressões digitais” que podem ser percebidas por quem conhece o hebraico e os antigos costumes dos povos que viviam no território ocupado pelos israelitas e em seu entorno.

No caso específico da profecia é possível notar resquícios de antigas práticas mágicas e divinatórias do Oriente Próximo. São diversos os exemplos, tais como a taça de adivinhação de José (Gn 44,5); o carvalho dos adivinhadores (Jz 9,37); a adivinhação com flechas (2Rs 14,13-20 e Ez 21,21); o uso dos terafins e do éfode para consultar Javé (Jz 17,5; Os 3,4; 1Sm 23,9); a consulta aos mortos (Is 29,4; 1Sm 6,2) e o êxtase delirante (Nm 11,25; 1Sm 10,5-6; 1Sm 19,24; 1Sm 18,10; 1Rs 18, 26.28-29; 2Rs 3,15).

Em busca de paralelos entre a religião de Israel e a de outros povos que viveram na região encontrei essa magnífica obra: 
JEFERS,Ann. Magic & divination in ancient Palestine & Siria. Leiden: New York:Köln: E. J. Brill, 1996.
Eis uma pequena descrição (como aparece na introdução do livro): 
Magia e adivinhação, como parte de um sistema de ideias, certamente existiu numa fase inicial da história israelita. Não podemos, porém, ignorar o fato de que há muitos vestígios de magia e adivinhação deixados nos textos atuais que não podem ser facilmente explicados pelo uso de obras literárias críticas. [...] De imediato, várias questões se apresentam: O que são magia e adivinhação? Como é que o mundo acadêmico as entendeu? Que método hermenêutico podemos aplicar para lidar com tantas camadas e textos ideológicos?
Boa leitura!



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 10 de julho de 2014

ROBÔ ESCRIBA

O Haaretz (10/07/14) noticiou que um robô escriba criado recentemente na Alemanha é capaz de escrever em um rolo de 80 metros em apenas três meses. Um rabino ou um sofer - um escriba judeu - leva quase um ano para fazer o mesmo trabalho. Mas o texto escrito pelo robô não pode ser usado em uma sinagoga. Quem explica o motivo da rejeição ao robô é o Rabino Reuven Yaacobov: 
Para que a Torá seja santa tem que ser escrita com uma pena de ganso em pergaminho. O processo tem que ser cheio de significado; o escriba precisa fazer orações enquanto está escrevendo.

Entrará no rol das máquinas inúteis...



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 7 de julho de 2014

BOBINHO AO CUBO

Zé Bobinho quer demonstrar que o cristianismo dos primeiros séculos não era sexista. Começa seu texto dizendo que o termo “sexismo” foi cunhado em meados do século XX, logo não poderia haver sexismo nos primeiros séculos. Cita quatro autores defendendo essa tese (três deles são americanos).

Constrói seu texto citando e citando e citando autores diversos. Não transcreve nem analisa textos escritos no período patrístico, mas apenas as opiniões dos “especialistas”: “os Pais da Igreja davam grande valor à mulher”, diz o primeiro.  “As mulheres sempre desempenharam um papel importante na educação cristã”, diz o segundo. Acha que seu trabalho ficou muito bem fundamentado.

É ou não um bobinho ao cubo?



Jones F. Mendonça

PROFETAS E PROFECIAS NO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO

Continuo minha leitura a respeito do profetismo israelita. Os livros que tenho consultado mencionam a existência de "profetas" (apilum ou muhhûm e muhhûtum) nos povos vizinhos de Israel. Leio aqui e ali alguma citação de textos que registram a existência de atividade profética em cidades do Oriente próximo. Fiquei curioso e fiz uma busca no Google. Encontrei este livro: 

NISSINEN, Martti. Prophets and prophecy in the ancient Near East. Atlanta: Society of Bibical Literature, 2003. 

Nas páginas 47 e 48 aparece o relato que descreve um profeta em transe no templo. O conselho divino (Annunitum = Ishtar em seu aspecto guerreiro) deve ser entregue a Zimri-Lim, rei de Mari (fiz uma tradução livre): 

5 In the temple of Annunitum,
three days ago, Šelebum went into
trance and said:
7 “Thus says Annunitum: Zimri-
Lim, you will be tested in a revolt!
Protect yourself! Let your most
favored servants whom you love
surround you, and make them stay
there to protect you! Do not go
around on your own! As regards
the people who would tes[t you]:
those pe[ople] I deli[ver up] into
your hands.”

5 No templo de Annunitum,
há três dias, Šelebum entrou em
transe e disse:
7 "Assim diz Annunitum: Zinri-
Lim, você será testado em uma revolta!
Proteja-se! Mantenha seu servos
mais favorecidos, aqueles que você ama,
ao seu redor, e faça com que fiquem
para protegê-lo! Não saia
por conta própria! Quanto
às pessoas que estão te testando:
eu as entregarei nas tuas mãos".

De modo geral os textos consistem em instruções relativas à cidade, à guerra, à provisão de animais para o sacrifício e observância de ocasiões sacrificiais. O livro (em PDF, em inglês) pode ser encontrado aqui

quarta-feira, 2 de julho de 2014

AS ORIGENS DO PROFETISMO ISRAELITA

Leio a respeito das origens do profetismo israelita. Concentro-me no momento na seguinte obra:

FOHRER, Georg. História da religião de Israel. São Paulo: Edições paulinas, 1982.

O autor apresenta a tese de uma dupla origem do profetismo, produto de diferentes ambientes:
Ambiente nômade (profetismo visionário) – não associado a um templo; acúmulo das funções de sacerdote, mágico e chefe de clã; profecia ligada ao sentido da visão e pronunciamento da profecia em estrutura poética. Origem étnico cultural: beduínos árabes. Ex.: Nm 22-24 (Balaão);

Ambiente de terras cultivadas (extático) – associado a um templo ou cortes reais; relacionado com a vegetação e os cultos de fertilidade; profecia com êxtase. Origem étnico cultural: trácios e frígios da Ásia Menor. Ex.: 1Sm 18,10; 19,24 (Saul).

Fiz uma leitura atenta dos textos. Consultei o texto hebraico quando achei conveniente e tomei algumas pequenas notas.

Profetismo nômade - Balaão, exemplo de Foher para o profetismo nômade visionário, foi contratado por Balaq, rei de Moabe, para amaldiçoar os israelitas. Sua atividade profética de fato envolve visão e se expressa de forma poética. Ele precisa ver o objeto de sua maldição (Nm 23,13); diz que seu pronunciamento depende do que Javé lhe mostrar (Nm 23,3) e profere seu mashal (Nm 23,7) em forma poética (veja Nm 24,17). Balaão, no entanto, parece cair em êxtase (hb. nafal) em Nm 24,4, agindo de acordo com as características do “profetismo de terras cultivadas” (Trata-se de um acréscimo posterior?).

Profetismo de terras cultivadas - Saul, primeiro rei de Israel, é visto “profetizando” numa espécie de êxtase estimulado por instrumentos musicais (ele inclusive se despe diante de Samuel! Cf. 1Sm 19,24)). De fato os fenômenos ocorrem num ambiente diferente (a corte e não os campos de Moabe).  A presença do termo hebraico naba (1Rs 18,29) em passagens que descrevem a ação dos profetas de Baal sugerem um profetismo extático. Durante o ritual os profetas dançam, invocam a Baal em altas vozes e retalham seus corpos com lanças.

Para Fohrer as duas formas de profecia do antigo oriente Médio teriam se fundido, como parece sugerir o texto de 1Sm 9,9:
Antigamente em Israel, indo alguém consultar a Deus, dizia assim: Vinde, vamos ao vidente (roeh – profetismo nômade javista); porque ao profeta (naviy – profetismo institucional existente na Palestina) de hoje, outrora se chamava vidente.

Elias, profeta javista, em sua luta contra os cultos de fertilidade, teria introduzido uma concepção nova a fim preservar a viabilidade do javismo numa nova ordem política sem cair no extremismo de Acab. Javé, antigo deus da tormenta e do furor, teria ganhado contornos mais sutis, agora caracterizado por um governo tranquilo, comparável a uma calmaria depois da tempestade (1Rs 19,11). Javé, e não Baal, era quem fertilizava a terra.

Convencido?



Jones F. Mendonça