sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ZÉ BOBINHO E O SMARTPHONE

Zé Bobinho tem um desses celulares inteligentes. Vai ao shopping: o Google sabe. Visita um site “para maiores”: o Google sabe. Faz compras online: o Google sabe. Um grupo de empresários conhece mais os seus passos que sua própria esposa.

Hoje Zé Bobinho está ansioso. À noite assistirá a uma palestra sobre supostos chips subcutâneos capazes de controlar a vida das pessoas. Ele está preocupadíssimo com essa nova “invenção do diabo”. Disseram para ele que é coisa do Anticristo.

Zé Bobinho já decidiu: jamais deixará que um chip desses seja introduzido em sua pele. Não permitirá que qualquer pessoa, governo ou organização controle sua vida.  

Ah, tá...



Jones F. Mendonça

sábado, 20 de setembro de 2014

DEPRESSÃO

Seu nome: Infortúnio.
Veio ao mundo cego, surdo e mudo.
Diziam que nascera predestinado às lágrimas,
mas sofria de obstrução congênita das glândulas lacrimais.
Seu choro, além de mudo, era seco.

No fim da vida casou-se com Desgraça,
filha de Funesto com Infelicidade.
Seus filhos: Tragédia, Desdita e Infesto.
A primeira era estéril, a segunda escrava da loucura.
E Infesto? Natimorto.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

IGOR SIWANOWICZ

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O EGITO, OS POVOS DO MAR E AS ORIGENS DE ISRAEL

Estela de Merneptah
Quem quiser entender a formação de Israel precisa estar atento à primeira metade de um período egípcio conhecido como “Novo Império” (1550-1070 a.C.). Com a expulsão dos hicsos, Ahmose I (1550-1525) fundou a 18ª dinastia, dando início ao período mais célebre e glorioso de toda a vida egípcia. Segundo algumas estimativas a população saltou de 1,5 milhão para algo em torno de 2,5 a 5 milhões de habitantes. Destacam-se nesse período: 1) as cartas de Amarna, uma série de correspondências entre os reis cananeus e os faraós Amenhotep III e IV;  2) A estela de Merneptah (1208), registro feito em granito que revela a existência de um grupo de pessoas (uma tribo?) reconhecido pelo nome de “Israel” contra o qual o faraó Merneptah se gabava de ter destruído em Canaã: “Israel está arruinada; sua semente já não existe mais”.

Por volta de 1200 a glória do Egito foi sendo gradativamente ofuscada por uma série de fatores, tais como o desgaste da estrutura palaciana-faraônica, exaustão dos recursos naturais e dos repetidos ataques dos líbios e dos chamados “povos do mar”, dentre os quais os filisteus, representados em relevos com grandes penachos e corpos esguios. O templo mortuário de Ramsés III, em Medinet Habu, registra o terror causado pelo avanço dos povos do mar:
Os setentrionais em suas ilhas estavam em dificuldade e se moveram em massa, todos ao mesmo tempo. Ninguém resistiu perante eles; de Khati (império Hitita) a Qode (Cilícia), Karkemish (cidade do Eufrates, no norte da Síria), Arzawa (reino da Ásia Menor), Alashiya (Chipre) foram devastadas. Dirigiram-se enfim para o Egito [...] os ânimos deles eram de confiança, cheios de projetos.

O Egito conseguiu repelir os povos do mar, mas não foi capaz de impedir que se instalassem na costa oriental do Mediterrâneo, região outrora administrada por funcionários sediados em Gaza, Kumidi e Sumura. É nesse cenário que devem ser buscadas as origens do povo que consolidou suas tradições numa obra complexa que é a Tanak (Bíblia hebraica). 


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO E FUNDAMENTALISMO CRISTÃO: TUDO IGUAL

O surgimento do fundamentalismo islâmico tal como conhecemos hoje está diretamente ligado à queda do império Turco Otomano em 1924. É fenômeno novo, portanto. Kemal Ataturk, pai da Turquia moderna; Nasser, do Egito e Reza Pahlevi, no Irã, caminharam em direção à separação entre a religião e o Estado, mas apenas a Turquia se manteve como Estado secular democrático (o Líbano é outro exemplo moderno). A maior parte das nações árabes (ou muçulmanas não–árabes, como a Turquia e o Irã), perdidas no processo de fragmentação do império otomano do qual faziam parte e sentindo-se humilhadas e exploradas pela Europa pós-guerra, viram nas suas escrituras sagradas a única solução para restabelecer a ordem: a instauração da Shari’a, a lei islâmica. A Irmandade Muçulmana, por exemplo, fundada em 1928, criou um slogan bem conhecido na órbita islâmica: “o Corão é nossa constituição”.

A expressão “fundamentalismo” quando aplicada ao universo cristão é fenômeno do final do século XIX. Nasce como tentativa de combater as transformações ocorridas na sociedade europeia a partir do Renascimento. Como entre os muçulmanos, trata-se de uma tentativa de manter as antigas tradições religiosas, morais e culturais, entendidas como fundamentais para a manutenção da ordem. No século XVII, pensadores como Spinosa e Voltaire começaram a questionar muitos dogmas da fé cristã. Algum tempo depois, nos séculos XIX e XX surgiram novas ideias vistas como ameaças à fé: a teoria da evolução, de Charles Darwin e o trabalho de pensadores como Feuerbach, Nietzsche, Karl Marx e Freud (todos foram críticos ferrenhos da religião).

Alarmados com a “ameaça modernista” - movimento que tentava compatibilizar a fé cristã com as novas descobertas científicas - foi criada, em 1846, a Aliança Evangélica. Em 1895 foram definidos cinco pontos fundamentais da fé cristã que estavam sendo questionados (ou pelo menos vistos de maneira menos rígida) pelos chamados “cristãos modernistas”: 1) Infalibilidade das Escrituras, 2) divindade de Cristo, 3) seu nascimento virginal, 4) seu sacrifício expiatório e 5) sua ressurreição física. Entre 1910 e 1915, com o financiamento de um milionário do ramo do petróleo, foram publicados três milhões de exemplares de uma coleção de livretos chamados “The fundamentals” (os fundamentos). O objetivo era apoiar a luta conservadora contra as posições liberais adotadas por algumas igrejas.

Mas o termo “fundamentalista” só surgiu em 1920, cunhado por um editor batista. Com o tempo o movimento foi ganhando mais adeptos e adotando ideias cada vez mais radicais.  Grupos anti-aborto cristãos norte-americanos, como o “Exército de Deus” e a ACLA, cometeram sequestros, ataques a clínicas de aborto e até homicídios sob o manto de um discurso “pró-vida” e “pró-família”. As duas guerras dos EUA contra o Iraque (1991/2003 – Bush pai e Bush filho) foram justificadas com discursos com nítido teor religioso. Observe que o fundamentalismo apoia seu discurso em textos religiosos como solução para algo visto como uma ameaça iminente à ordem e à paz (imigrantes negros, terrorismo, mudança nos costumes, etc,). Um judeu poderia justificar a guerra contra os palestinos citando o livro bíblico de Josué (Js 6,21). Um árabe muçulmano poderia citar o Corão justificando uma matança dos idólatras (Sura 9,5). Até mesmo um cristão poderia citar textos do Novo Testamento justificando a dissolução da família (Mt 10,35) ou a automutilação (Mt 5,29). Como se vê, tudo depende dos olhos e das intenções de quem lê.

Hoje, no Brasil, o fundamentalismo tem tomado conta do cenário político. O que é proibido pela religião – argumentam – deve ser proibido por lei. Com um discurso como esse o horizonte que se abre é tenebroso, muito tenebroso.


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CANTARES, UM LIVRO ÚMIDO

Livro bíblico de Cantares (Ct 5,2-4): Shulamit, já despida de sua túnica, está em seu leito. Ela dorme, mas seu íntimo está agitado (velibiy 'er). Shelomoh, seu amado, chega (à porta?). “Gotas da noite” escorrem pelos “anéis” de seus cabelos. Ele quer entrar. Shulamit hesita. Então ele mete a mão por uma fresta (da porta?). O corpo dela reage: “Minhas entranhas gemem por ele” (umeay hamu alayv). Com as mãos destilando mirra ela o busca. Mas é tarde demais... Ele se foi. 

Ele com cabelos molhados quer entrar. Ela não quer sujar os pés. 
Ele mete a mão por uma fresta. O ventre/entranhas dela gemem por ele. 
Ele se vai. As mãos dela, deslizando sobre a maçaneta do ferrolho(?), destilam mirra. 

Entrar/sair; voz que chama/pés reticentes; mão ousada/entranhas que gemem; cabelos cheios de orvalho/mãos que deslizam pelo ferrolho exalando mirra. Cantares, um livro cheio de ambiguidade e de sensualidade. Para os alegóricos: uma alusão ao amor de Cristo pela Igreja. Sabem de nada...


Jones F. Mendonça