quinta-feira, 22 de outubro de 2015

CANTARES E OS JARDINS DE ENGADI

O livro bíblico de Cantares, com sua descrição calorosa da relação carnal entre um homem (Sholomoh?) e uma mulher (Shulamit), sempre foi visto com reservas pelos doutores do judaísmo e do cristianismo. Não foram poucas as tentativas feitas para suprimir o embaraço despertado por sua leitura.  

O rabino medieval Rabi Shlomo Yitzaki (1040-1105), por exemplo, interpretou o saquinho de mirra entre os seios de Sulamita (Ct 1,13), como sendo uma alusão à shekhinah (presença) de Deus entre os querubins da arca da aliança. Trocando em miúdos: o saquinho de mirra representaria a presença de Deus e os seios os dois querubins.

Para Cirilo de Alexandria (378-444 d.C.), os seios representam, respectivamente, o Antigo e o Novo Testamento, entre os quais está Cristo. Justo de Urgel, bispo de Valencia (século VI), identificou os seios com os doutos professores da igreja (!), e o pseudo-Cassiodoro pensou que o versículo se refere à crucificação de Cristo, que é mantido em eterna lembrança entre os seios do crente (!). Será?

Bem, deixemos de lado as leituras alegóricas e atentemos para um detalhe: no v. 13 o amado é comparado a um saquinho de mirra junto ao corpo da mulher: “entre seus seios”. Seria de se esperar que o “cacho de cipro florido” (nova metáfora para o amado, v. 14), fosse situado em outra parte do corpo da mulher, mas o ele é colocado “entre os [ou nos] jardins de Engadi”, um oásis nas proximidades do Mar Morto.

Então talvez os “jardins” não sejam exatamente jardins...


Jones F. Mendonça

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