sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

OS ISRAELITAS, O EGITO E OS SHASU DE EDOM

O The Bible and Interpretation disponibilizou gratuitamente trecho do livro: “A History of Biblical Israel: The Fate of the Tribes and Kingdoms from Merenptah to Bar Kochba (Equinox Publishing, 2016)”. No capítulo I (De Merneptah a Ramsés VI), ele diz o seguinte sobre a origem dos israelitas:
Os israelitas trazidos para o Egito como prisioneiros de Merenptah, em 1208 a.C. ou um pouco antes, entraram em contato com shasu de Edom [ver: Papiro Anastasi VI, ANET 258] e assim conheceram o deus YHWH. Despojados após o fracasso do golpe de Beya (ou Bay, vizir egípcio de origem asiática), os sobreviventes se estabeleceram no norte da Faixa Central, onde o controle egípcio estava em declínio (1150-1130 a.C.). Lá, eles articularam a lembrança de sua salvação como registrada em Êxodo 18,1: YHWH tinha tirado Israel do Egito.
Por Ernst Axel Knauf e Philippe Guillaume, ambos professores de Antigo Testamento na Universidade de Berna.

Disponível aqui.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

JERUSALÉM NO PERÍODO DO MACABEUS


O período que se seguiu à Revolta dos Macabeus (168-164 a.C.) deu impulso a uma notável expansão da cidade de Jerusalém e do Monte do Templo. Caso você tenha interesse na Jerusalém deste período, não deixe de ler o artigo “Jerusalem after the Maccabean Revolt”, escrita pelo professor Lawren H. Schiffman e publicada na Ami Magazine (texto em PDF, download gratuito).



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

MACABEUS: CONSERVADORES x HELENISTAS

Em artigo publicado hoje no Haaretz de Israel (edição premium, só para assinantes ou cadastrados), Shemi Chalev explica o conflito entre judeus rurais conservadores e judeus helenistas urbanos que desencadeou a revolta dos macabeus. Segue trecho: 
A revolta [dos macabeus] não começou na batalha contra os selêucidas, mas como uma insurgência interna, realizada por judeus rurais conservadores e tradicionalistas do campo contra helenistas judeus urbanos em Jerusalém e outras cidades, que procuravam chegar a um acordo com os selêucidas. Eles queriam incorporar conceitos helênicos de estética e ciência no judaísmo tradicional para que pudesse lidar melhor com o mundo moderno.

Jones F. Mendonça

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

50 FIGURAS BÍBLICAS CITADAS EM ARTEFATOS ARQUEOLÓGICOS

A Biblical Archaeology Review disponibilizou gratuitamente matéria publicada em 2014 citando 50 personalidades bíblicas mencionadas em inscrições antigas. O artigo menciona o período, a região em que viveu, o texto bíblico e o artefato arqueológico que cita a personalidade bíblica.

Do Egito aparece Shishak (=Shoshenq I), faraó egípcio que governou entre 945-924, citado em 1Rs 11,40; 14,25. O registro de sua campanha militar na Palestina aparece no templo de Amon em Karnak.

Do reino do Norte de Israel o texto cita Omri, que governou em Samaria de 884-873, citado em 1Rs 16,16. Seu nome aparece em inscrições assírias e na Estela moabita.

De Judá, citado em três inscrições, surge Davi, mais famoso rei israelita (1010-970). Seu nome aparece na estela de Tel Dan, na estela moabita e numa inscrição egípcia que menciona uma região do Neguev conhecida como “as alturas de Davi”.

O artigo também cita personalidades assírias, babilônicas, persas, moabitas e arameias.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O IRÃ E O SEXO

No Irã as relações homossexuais são passíveis de castigo físico ou execução. De acordo com levantamento feito por grupos gays, 120 pessoas foram executadas desde 1979 sob pretextos variados.

Curioso é que esse mesmo Irã é o segundo país do mundo com maior número de cirurgias de mudança de sexo. A explicação: transexuais são vistos como heterossexuais vítimas de uma doença curável pela cirurgia.

Quem consegue provar às autoridades ter nascido no “corpo errado”, mediante certificado médico e psicológico, ganha permissão para trocar de sexo. A prática começou em 1984, quando o Aiatolá Khomeini emitiu decreto tornando o procedimento lícito.

Ao ser questionado por um estudante em 2007 sobre o fato de a homossexualidade ser passível de pena de morte pela lei iraniana, Ahmadinejad respondeu: “No Irã não temos homossexuais. [...] Não sei quem lhe contou que temos” (a fala de Ahmadinejad e uma abordagem mais ampla do assunto pode ser lida em "Os iranianos, de Samy Adghirni).



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

AS MIL FACES DE MELQUISEDEQUE

Melquisedeque (="meu rei é justo" ou "Deus da justiça" ou "meu rei é Tzedeq") é uma das figuras mais enigmáticas da Bíblia. Não é preciso ser especialista para perceber que a narrativa foi inserida entre os versos 17 e 21 de Gênesis 14 (Abraão e o rei de Sodoma). Note que o verso 17: “o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro...”, continua no verso 21: “E o rei de Sodoma disse a Abraão...”.

Neste artigo, publicado no The Torah e escrito pelo Rabi Joshua Garroway, a figura de Melquisedeque é investigada na perspectiva da crítica literária, nos Salmos, no cristianismo primitivo (Hebreus), no judaísmo rabínico (Talmude) e em Qumran.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O IRÃ PARA ALÉM DOS AIATOLÁS


Combatentes do grupo guerrilheiro iraniano Mujahedin-e Khalq (MKO) com seus tradicionais hijabs vermelhos. Atualmente liderado por uma mulher e bem pouco conhecido no Ocidente, o grupo luta pela derrubada do governo teocrático no Irã e tem sido acusado de ajudar Israel no assassinato de cientistas envolvidos no programa nuclear iraniano. São vistos como traidores pelos iranianos por terem lutado ao lado de Saddan Russein na guerra contra o Iraque na década de 80. 

Jones F. Mendonça

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

HOMEM É SANGUE, MULHER É LEITE

Enquanto a mulher gera filhos e os amamenta (uma atividade natural), explica Simone de Boauvoir, o homem precisa transcender sua condição animal inventando armas (de caça, de guerra) para aumentar seu domínio sobre o mundo. E então conclui:
A maior maldição que pesa sobre a mulher é estar excluída das expedições guerreiras. Não é dando a vida, é arriscando-a que o homem se ergue acima do animal, eis por que na humanidade, a superioridade é outorgada não ao sexo que engendra [a fêmea], e sim ao que mata [o macho]. [...] O macho escravizou as forças confusas da vida, escravizou a natureza e a Mulher.
Como libertá-la do papel de coadjuvante no qual foi encerrada?  Eis a questão discutida pela filósofa parisiense em “O segundo sexo” (o trecho acima encontra-se na parte II, volume I).



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

OSSOS DE PORCO NO ANTIGO ISRAEL

Escavações modernas no Levante sul (atual Israel, Jordânia e Palestina) mostram escassez notável ou ausência total de ossos de porco em sítios datados para a Idade do Ferro (1130-586 a.C.).

A única exceção aparente são os locais ocupados pelos filisteus, um dos povos do mar que migraram para a costa sudoeste da Palestina no alvorecer da Idade do Ferro.

Esta observação apoiada pela proibição bíblica levou os arqueólogos modernos a interpretarem a presença ou ausência de ossos de porco como um marcador étnico capaz de distinguir os antigos israelitas dos filisteus.

Uma suposição bastante razoável, certo? Lidar Sapir-Hen, autora do artigo “Pigs as an Ethnic Marker?” (Biblical Archaeology Review, Nov/Dez16) acha que não é tão simples assim.

Infelizmente só é possível ler o resumo do artigo na BAS Nov/Dez/2016. Mas você pode ler o texto completo aqui



Jones F. Mendonça

NADAR NO MAR MORTO EXIGE SNORKEL ESPECIAL

Imagem: Haaretz
Embora seja fácil flutuar nas águas do Mar Morto, é grande o número de afogamentos no lago. Ingerir um copo da água extremamente salgada pode ser fatal: “um pequeno gole resseca seu cérebro”, diz um instrutor de mergulho.

A imagem mostra nadadores usando um snorkel especial de proteção (olhos e boca) durante uma travessia entre a Jordânia e Israel patrocinada pelo EcoPeace Oriente Médio e pelo Conselho Regional de Tamar.

Leia no Haaretz de Israel (edição Premium, será preciso fazer cadastro no site).



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

PONDÉ, PUDOR E DESPUDOR

Lula, enquanto candidato, discursava falando de comida no prato, teto, um pouco de sossego e criança na escola (sem racismo, xenofobia ou misoginia). Pondé classificava seu discurso como um "populismo de esquerda".

Trump também fala de comida no prato, teto, um pouco de sossego e criança na escola (com uma boa dose de racismo, xenofobia e misoginia). Pondé diz que Trump soube como ninguém falar a língua do povo.

Eis a filosofia ponderiana despudorada.


Jones F. Mendonça


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O LIVRE EXAME E A IGREJA DO CUSPE DE CRISTO

Embora o termo “livre exame das Escrituras”, não apareça nos escritos de Lutero, a ideia é defendida em sua “Carta à nobreza alemã”, de 1520. Nela, o monge agostiniano declara que os “doutores de Roma”, “o Papa e seus comparsas”, não são os únicos capazes de interpretar as Escrituras:
Devemos [...] julgar com coragem tudo o que eles [os papas] fazem ou deixam de fazer, conforme nossa compreensão crente da Escritura, e obrigá-los a seguir a compreensão melhor, e não sua própria.
Menos de cinco meses após a publicação da carta Lutero foi excomungado pelo papa, através da bula Decet Romanum Pontificem  (janeiro de 1521).

Em minha opinião o livre exame é o melhor de Lutero. Mas ele tem um efeito colateral inevitável: qualquer um poderia discordar de Lutero e criar sua própria igreja. Até mesmo uma que se chama “A igreja do cuspe de Cristo”.

Nesse sentido, desejar o livre exame e ao mesmo tempo promover o policiamento denominacional não faz qualquer sentido.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

NEURA

Neura era dessas escritoras compulsivas. Escrevia em areia, em redes sociais, em caderno, em guardanapo, em parede, em vidro embaçado pelo vapor. Seus dedos pareciam corcéis sem freio desbravando superfícies.

No repouso dos dedos ativava os olhos. Lia como uma louca: jornal velho, rabisco em placa de trânsito, bilhete amassado, bula de remédio sem uso, embalagem de shampoo, epitáfio em leito mortuário. Insaciável essa Neura.

Certo dia, nas instalações de um alfarrabista qualquer, na obsessão da leitura, tomou nas mãos três velhos exemplares da revista Veja: “Geisel, um comando firme”, “Collor, caçador de marajás” e “O poder de Aécio”. Estremeceu. Deixou de ler coisas inúteis. Curou-se.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

ENTORPECIDA

Insânia sustentava sua existência nos finos fios da fantasia.
Tudo o que sonhava era tudo o que queria.
Tudo o que queria (Ah, como queria...), era tudo o não existia.
Vivia no mundo concreto.
Bailava entorpecida no salão da imaginação.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O NESCAU DE ARISTÓTELES

Enquanto lambia o resíduo de Nescau no fundo de uma grande xícara, Zé Bobinho descuidou e a deixou o cair em seu pé. Ganhou cinco pontos e uma pequena fratura na falange proximal do quinto dedo. Sua interpretação do acidente: comer resíduo de Nescau é perigoso.

A lógica é a mesma usada para deslegitimar as ocupações nas escolas públicas depois da morte de um menino de 16 anos no Paraná: alguém morreu enquanto uma escola era ocupada por alunos, logo todos são delinquentes. Logo é preciso deixar as coisas como estão.

Que falta faz Aristóteles...



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

OUTUBRO, MÊS DA REFORMA: LIBERDADES LÍQUIDAS

John Wyclif e Jan Hus já declaravam , nos séculos XIV e XV, que “os sacerdotes que violam os mandamentos do Senhor” estão em pecado, e que, portanto, devem ser vistos como usurpadores. No século XVI Lutero usou o mesmo argumento para romper com a Igreja.

A rebeldia do monge agostiniano migrou para o campo político. No fim de 1524 cerca de 30.000 camponeses na Alemanha meridional se recusavam a pagar imposto ao governo, dízimos ou direitos feudais. Ousaram criticar a servidão, dizendo que haviam sido “comprados e redimidos com o precioso sangue de Cristo”. Inicialmente Lutero apoiou o grupo, mas depois explicou que a liberdade que o cristão deve gozar é a espiritual: 
Abraão e os outros patriarcas não tinham escravos? [...] Um reino terreno não pode sobreviver se nele não houver uma desigualdade de pessoas, de modo que algumas sejam livres e outras presas, algumas soberanas outras súditas (Lutero, Works, IV, p. 240).
As elites latifundiárias das colônias americanas do século XVIII comportaram-se como Lutero. Usaram com toda a força ideias revolucionárias para justificar sua rebelião contra o opressor, neste caso, a Inglaterra (“qualquer um tem o direito de defender-se e de resistir ao agressor”, John Locke) e ao mesmo tempo temeram que negros e pobres interpretassem as ideias de liberdade como aplicáveis também a eles. Não deixaram, como Lutero.

Moral da história? “Quae vult rex fieri, sanctae sunt congrua legi” (vão as leis como querem os reis). Revolução legítima, só a das elites...



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

OUTUBRO, MÊS DA REFORMA: INTOLERÂNCIAS

Enquanto Lutero, Calvino, Zwínglio e outros reformadores discutiam (e até se matavam por) especulações a respeito da natureza de Cristo, da Trindade, da predestinação, do livre arbítrio, da Eucaristia e do batismo, Sebastian Castellio chamava a atenção para a necessidade da tolerância religiosa. Uma voz praticamente única num mundo religioso acostumado a punir com a morte o pecado da heresia.

Vendo como absurdo o apoio de Calvino à condenação de Serveto, Castellio escreveu em março de 1554 o tratado “De haereticis na sint persequendi?” (Os hereges devem ser perseguidos?). Não via razão para condenação dos hereges à morte uma vez que considerava que a Bíblia contém passagens difíceis, que constantemente deixam margens para dúvidas (não é o que admite 2Pe 3,16?). Insistia em colocar o caráter e o amor ao próximo acima das especulações doutrinárias.

Theodore Beza, escolhido por Calvino para elaborar uma resposta, reagiu dizendo que a tolerância religiosa é impossível para aqueles que aceitam a inspiração das Escrituras. Qualificou as vozes que se opuseram à morte dos hereges como “emissários de Satanás”. Castellio voltou à luta em “Contra libellum Calvini”. Mais tarde, em seu “De arte dubitandi” ("A arte de duvidar”), antecipou-se a Descartes, colocando a dúvida como elemento fundamental na busca da verdade.

Castellio combateu o fanatismo religioso como nenhum outro de seu tempo. Sua postura lança por terra a tese que justifica os discursos de ódio de Lutero dirigidos aos judeus e a condenação de Serveto à fogueira pelo conselho de Genebra como sendo atitude aceitável por todos naquele tempo. Com uma voz extraordinariamente dissonante, Castellio morreu na miséria aos 48 anos (1563). Calvino, em seu conhecido fanatismo, declarou que a morte prematura de seu opositor fora o resultado de uma sentença divina.

No próximo dia 31 - data em que os protestantes comemorarão 499 anos da Reforma - Castellio não pode ser esquecido.



Jones Mendonça

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

OUTUBRO, MÊS DA REFORMA (II)

João Calvino (1509-1564), um dos maiores expoentes da Reforma, defendia que todos os acontecimentos foram pré-ordenadas por Deus: a criação do mundo, a morte das estrelas, a forma exuberante dos lírios, o terremoto que devora vidas, a boca que morde, a mão que afaga. Linhas invisíveis escrevendo com muito arrojo e precisão o destino da humanidade.

Sua obsessão pela divina providência foi levada às últimas consequências: 
Eu concedo mais: os ladrões e os homicidas, e os demais malfeitores, são instrumentos da divina providência, dos quais o próprio Senhor se utiliza para executar os juízos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que daí se deva desculpá-los por seus maus feitos (As Institutas, Livro I, Capítulo XVII, seção 5).
“Decretum quidem terribile”, ele mesmo confessou. Eu acrescentaria: é terrível e repugnante.



Jones F. Mendonça

DAS NÃO NEUTRALIDADES ASSUMIDAS

Digamos que você queira traduzir e interpretar um documento escrito – digamos - há 2000 anos. Sua cabeça, levada pela crença de que é impossível fazer pesquisas e leituras neutras, tem a seguinte ideia: “ora, uma vez que não é possível fazer leituras neutras, então vou assumir essa não neutralidade e interpretar o documento tal como orientam os ‘guardiões da tradição’”.

Quem sugere isso na maior cara de pau? Augusto Nicodemus.



Jones F. Mendonça

ARTIGOS GRATUITOS SOBRE LAQUIS NA BAR

No embalo das últimas descobertas arqueológicas em Laquis, a cidade mais importante de Judeia depois de Jerusalém, a AWOL (The Ancient World Online) fez uma apanhado de artigos gratuitos publicados na BAR (Biblical Archaeology Review) sobre a cidade.

Laquis foi conquistada e destruída em 701 a.C. pelo governante assírio Senaqueribe (sob o governo de Ezequias, cf. 2Rs 18,13-16). Sofreu nova destruição em 588/6 a.C. por Nabucodonosor da Babilônia (Jr 34,7).



Jones F. Mendonça

OUTUBRO: MÊS DA REFORMA (I)

Durante cerca de 1500 anos a Igreja dominou as rédeas da interpretação. No século XVI Lutero desafiou a Igreja e inaugurou o “livre exame”. A “verdade” do texto, antes una, tornou-se múltipla. São bem conhecidas as farpas trocadas entre Lutero e Zwínglio a respeito da interpretação de Mt 26,26 (“isto é o meu corpo” → simbólico ou literal?).

Herdeiros do “livre exame”, mas ainda obcecados pela precisão das definições teológicas, os protestantes logo trataram de enclausurar o livre exame nas chamadas confissões doutrinárias. A vocação protestante para o cisma, para a divisão, talvez não seja produto da ausência de um lastro, de uma autoridade única capaz de determinar a interpretação correta, mas do medo doentio das lacunas, dos espaços em branco, das incertezas.

A maldição protestante: quanto mais quer definir, mais se divide.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

MESSIANISMO NO ANTIGO EGITO

Então um rei virá,
Pertencendo ao sul, Ameni, o triunfante, será seu nome.
Ele é o filho de uma mulher da Núbia,
Ele nasceu no Alto Egito… .
Rejubilem-se, povo de seu tempo!
O filho de um homem fará seu nome durar para todo o sempre.
Aqueles que se inclinam para o mal e que tramam revoltas vão abaixar suas vozes por medo dele.
Os Asiáticos cairão perante sua espada, e os Líbios cairão perante sua chama.
Os rebeldes pertencem a sua ira, e os traidores, a seu assombro.

“Profecias de Neferrohu”, do princípio do reino de Amenemhet I (2000-1970 a.C.), Pritchard (ed.), Ancient Near Eastern Texts, 445-446.



Jones F. Mendonça

A LATRINA DE LAQUIS E AS REFORMAS DE EZEQUIAS

Foto: Daily Mail
Laquis, destruída em 701 a.C. pelos assírios e localizada no sopé de Judá, foi considerada a segunda cidade mais importante do Reino de Judá depois de Jerusalém. A descoberta do portão da cidade, neste ano, revelou vasos de armazenamento contendo a inscrição lmlk (=pertencente ao rei), um assento esculpido em pedra (FOTO) e um altar com as pontas (chifres) quebradas.

Sa’ar Ganor, líder das escavações, pensa que o lmlk seja uma referência ao rei Ezequias, governante que reinou em Judá no período da destruição do altar. Ele também acredita que os altares destruídos sejam os vestígios do projeto de reforma rei Ezequias, marcado pela tentativa de centralizar o culto em Jerusalém e abolir altares construídos fora da cidade santa (veja 2 Reis 18, 4). Na opinião de Ganor, até o assento de pedra confirma o relato das Escrituras.

O arqueólogo acredita que o assento (que tem um furo no centro) seja uma latrina, colocada no local possivelmente com a intenção de profanar o templo de Baal, tal como descrito em 2Rs 10,27: “Derrubaram a estela de Baal, demoliram também o templo de Baal e no lugar dele fizeram umas latrinas, o que permanece até hoje”. Uma vez que os testes de laboratório indicaram que o banheiro de pedra jamais foi usado, Ganor concluiu que a colocação do objeto no local de culto foi simbólica.

A descoberta ainda promete render uma boa discussão. Alguns pontos importantes sobre Laquis, Ezequias e a invasão assíria: 1. Embora o nome “Ezequias” não apareça ao lado do lmlk (=pertencente ao rei...) impresso nos jarros, seu nome surge nos anais de Senaqueribe; 2. A destruição de Laquis pelos babilônios (cerca de um século após Ezequias) está muito bem documentada nas cartas de Laquis encontradas nos destroços queimados do portão da cidade, e no grande relevo mural encontrado no palácio de Senaquerib, em Nínive; 3. Não ficou claro para mim se há consenso a respeito da natureza do objeto de pedra. É de fato uma latrina? Os testes de laboratório são confiáveis?; 4. O texto de Reis não identifica o local do santuário de Baal demolido por Ezequias (Era mesmo Laquis? O costume de colocar latrinas em templos profanados era comum naquele período/região?).

Leia mais no Bible History Daily e no Mail Online:


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O SALMO 45 E A LETRA OCULTA

Alguns textos da Bíblia foram construídos de maneira muito curiosa: cada verso (ou grupo de versos, como o Sl 119 ou Lm 3) começa com uma letra do alfabeto hebraico (álef, bet, guímel...). Você só perceberá essa peculiaridade numa Bíblia hebraica, claro.

O fenômeno, que aparece principalmente nos salmos, é chamado de acróstico alfabético. Mas no Sl 145 a sequência de letras é interrompida pela ausência da consoante “nun” (equivale ao nosso “n”). Há quem pense que o verso acabou sendo omitido por descuido por algum copista. A evidência disso seria a presença do verso iniciado com o “nun”, “preservada” em manuscritos encontrados em Qumran. Será?

Para o By Mitchell First, em texto publicado no Jewish Link, a omissão é intencional e o verso de Qumran seria um acréscimo feito por alguém incomodado com a ruptura na sequência alfabética.


Jones F. Mendonça

MONTANHA: LUGAR DE REFÚGIO

Foto: Haaretz
De acordo com Flávio Josefo, por ocasião da primeira grande revolta judaica (66-70 d.C.) muitos judeus fugiram para as montanhas da Galileia a fim de escapar das tropas romanas. (A Guerra dos Judeus, II, 572-576). O Haaretz publicou uma excelente matéria sobre o assunto anunciando descobertas que parecem confirmar o testemunho de Josefo. Nos evangelhos, a montanha como lugar de refúgio aparece em Mt 24,16: “então, os que estiverem na Judéia fujam para as montanhas”.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A [ESTRANHA] PARÁBOLA DOS TALENTOS

Um senhor entrega quantias de dinheiro diferentes a três servos. O primeiro e o segundo dão lucro. O terceiro – aquele que menos recebeu – devolve a seu senhor a mesma quantia recebida e é punido por isso. Há quem leia a parábola como um convite ao uso adequado das habilidades e dons pelos “servos”, os cristãos. O “senhor” seria Jesus.

Mas para Richard L. Rohrbaugh essa interpretação é absurda. Leia mais na Bible History Daily.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

SIT PRO RATIONE VOLUNTAS

Um califa ordenou – conta uma lenda – a destruição da Biblioteca de Alexandria.   Sua justificativa: se o conteúdo dos livros for igual ao do Alcorão merecem ser destruídos porque são supérfluos. Se for diferente, merecem ser aniquilados porque são mentirosos. Moral da história: qualquer ação parece justa quando serve aos interesses do tirano.

Em tempo: a frase latina foi dita por Juvenal (poeta romano) e significa: “a vontade sirva de razão”.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

HOMOOUSIOS, DULIAS, LATRIAS E OUTRAS PICUINHAS TEOLÓGICAS

A cidade de Niceia (atual Iznik, Turquia), foi palco de dois grandes concílios ecumênicos. O primeiro, em 325, definiu que Jesus foi gerado e não criado pelo Pai. O segundo, em 787, tratou de uma acirrada controvérsia a respeito do culto às imagens. Os bispos chegaram a um consenso: os ícones merecem apenas culto de dulia, nunca de latria. Para uma mente moderna “criado”/“gerado” e “dulia”/ “latria” parecem dizer a mesma coisa. Mas naquele tempo você poderia perder a cabeça por isso.

Abaixo uma imagem dos assentos dos bispos do 7º Concílio ecumênico (2º de Niceia). Bem, pelo menos é o que diz a placa.




Jones F. Mendonça

PRESÉPIOS APÓCRIFOS

Em 1224 Francisco de Assis armou o primeiro presépio de Natal. A cena foi montada numa caverna e uniu narrativas tomadas do Evangelho de Lucas e de Mateus de forma a harmonizá-las. A inspiração teria vindo de evangelhos apócrifos, como o protoevangelho de Tiago. A presença dos elementos caverna, boi, burro e parteira em ilustrações medievais seria um início dessa influência. 

Leia mais no Bible History Daily:



Jones F. Mendonça

UTOPIAS

"Na terra de Dilmun", diz um mito sumeriano do II milênio a.C. "o leão não mata e o lobo não rouba a ovelha". Lembra Is 11,6.



Jones F. Mendonça

DAS PALAVRAS COMO CABIDE DE SENTIDOS

Comecei a leitura (finalmente!) da obra “Interpretação e superinterpretação” de Umberto Eco. Na página 28 Eco cita (em tom crítico) uma curiosa metáfora de Lichtenberg a respeito da interpretação de textos: “um texto é um piquenique onde o autor entra com as palavras e os leitores com o sentido”.

Então Eduardo Cunha diz ao juiz que fez o que fez baseando-se em sua interpretação do Sermão do Monte lucano e você diz, baseando-se na tese de Lichtenberg, que esta é uma interpretação legítima...



Jones F. Mendonça

ARTE E ESCATOLOGIA

O sujeito entra numa antiga igreja em busca de um pouco de paz e se depara com este vitral sobre o juízo final, obra de Max Švabinský:


PS.: Na verdade não consegui descobrir se o vitral fica em alguma igreja. Há outros, do mesmo autor, na catedral de São Vito, em Praga.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

Zé Bobinho resolveu ler Nietzsche, famoso filósofo do século XIX. Ficou encantado com seu “perspectivismo”, cuja ideia básica resume-se nas seguintes palavras: “não há fatos, apenas interpretações”. Sua nova filosofia de vida o induziu a trocar as realidades do mundo (os fatos) pela interpretação das realidades do mundo.

Pensou com seus dois neurônios: “se não há fatos, então aquele vídeo que compromete a fidelidade de minha mulher talvez precise ser interpretado poeticamente”. Foi além: “se não há fatos, então talvez minha conta bancária não esteja no vermelho”. Raciocinou um pouco mais: “meu trágico diagnóstico médico, a corrupção dos políticos, meu estômago gritando de fome, as infiltrações nas paredes do meu apartamento... nada é fato!”.

Bobinho agora é um homem feliz...


Jones F. Mendonça


quarta-feira, 31 de agosto de 2016

PRECIPÍCIO

A pressa revogou o cuidado,
a ânsia aboliu o juízo,
o afã digeriu a razão.
Ímpeto sem freio,
alçapão do abismo.



Jones F. Mendonça

domingo, 21 de agosto de 2016

AUTOQUÍRIA EM TOM MENOR

À sombra de um jambeiro,
absorta em vil melodia,
repousou sob morena doçura,
embalada por pensamentos febris.

Na acidez da sinfonia,
assaltada pelas sombras do pensamento,
gemeu um artelho enlutado,
encarcerado no anel fulvo da agonia.

Em cicuta encharcada a língua,
deitada em rósea relva,
cerrou a pupila abatida,
para nunca jamais voltar a brilhar.



Jones Mendonça

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

JOGOS OLÍMPICOS E CIRCUNCISÃO

Em 2 Macabeus 4,18 há uma referência aos “jogos quinquenais”, celebrados em Tiro, cidade fenícia ao norte de Israel. Os jogos, disputados por atletas nus e dedicados a divindades estrangeiras, não agradou aos judeus mais piedosos. O escândalo foi registrado no primeiro livro de Macabeus:
Construíram, então, em Jerusalém, uma praça de esportes, segundo o costume das nações. [Os judeus, querendo ocultar suas circuncisões] restabeleceram seus prepúcios [puxando-os sobre a glade?] e renegaram a aliança sagrada [e então] Matatias inflamou-se de zelo e seus rins estremeceram.

O que vem depois dessa indignação? Uma guerra!


Jones F. Mendonça

terça-feira, 16 de agosto de 2016

BOBINHO E A ESSÊNCIA DAS COISAS

Atormentado por um sonho noturno Bobinho iniciou uma alucinante jornada em busca da essência das coisas. Queria encontrar a verdade profunda projetada para além dos sentidos.  Não se empolgava com o dossel estrelado, com a textura da derme nua, com a curva dos caracóis, com a flagrância dos manacás. “Tudo aparência”, dizia gritando pelos caminhos. Aos 40 anos enfiou-se numa caverna e pôs-se a meditar. Passava horas tentando ouvir o som das pedras. Perdia noites apalpando neblina e alisando fumaça. Investigava sem cessar a quadratura do círculo lunar. Queria sentir o gosto inebriante das galáxias distantes. Após 40 anos de solidão e ascese, Bobinho finalmente descobriu a essência e o sentido de sua existência: era um tonto!



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

OS ENTULHOS DA ALMA

Sofrência não se contentava em acumular memórias amargas. Suas dores mais profundas eram cultivadas na mobília da casa. Na cômoda guardava em estojo estofado o anel de um noivado acabado. Na parede o diploma de uma profissão que jamais exerceu. No porão o dileto gato, agora empalhado. Na estante o retrato do pai que nunca a amou. Foi aconselhada a desintegrar tudo num rito solene. A celebrar vida nova em fogo festivo. Mas optou pela agonia perpétua, pela conservação da amargura.  Insistia em manter suas âncoras no passado sombrio. Mórbido desejo, aspiração doentia.  Ao preservar nos cômodos do lar suas relíquias tóxicas mais sagradas, perdeu-se nos destroços do passado. Ao continuar derramando lágrimas nas subterrâneas cisternas da alma, afogou-se em suas próprias recordações.




Jones F. Mendonça

terça-feira, 9 de agosto de 2016

ENTRE A RAZÃO E A PAIXÃO

Toda a análise precisa estar assentada em elementos racionais. Sempre. Nenhum médico, nenhum engenheiro, nenhum contador faz análise sob o impulso das paixões. Assim também deve ser no âmbito das relações humanas. O olho investigativo ganha potência na frieza da razão. Mas a análise, por sua vez, conduz ao diagnóstico, que exige uma solução. No fim de tudo será preciso decidir. E toda a decisão, embora leve em conta a emoção, os afetos, precisa necessariamente considerar a análise racional. O pranto e o desespero têm lugar nos desastres, nunca na prevenção dos desastres.



Jones F. Mendonça

BOBINHO E AS ABELHAS

Bobinho passava horas observando o voo daquela abelha. Mexia as asinhas: Ah, que lindo! Lambuzava-se no pólen: soltava um suspiro. Zumbia em ziguezague: seu olho apertava uma lágrima. Absorto em suas observações românticas do mundo animal, Bobinho rompeu o limite da sensatez e teve seu nariz golpeado pelo aguilhão peçonhento.

Diagnóstico: percepção romântica da realidade. Remédio: doses diárias de lucidez.



Jones F. Mendonça 

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

DIABRURAS MEDIEVAIS: SATÃ PROCESSA JESUS CRISTO

Página 23r
Num manuscrito intitulado “Peccatorum Consolatio, seu Processus Luciferi contra Jesum Christum” (1382), Lúcifer processa Jesus Cristo por ter transgredido a lei descendo ao Inferno. O julgamento é conduzido por ninguém menos que Salomão (o rei com um cetro). No primeiro julgamento Moisés (que aparece com chifres, à esquerda) é o conselheiro de Jesus Cristo. Belial aconselha o Diabo.

Mais adiante vão surgindo novos personagens, como Isaías e até Aristóteles. O trabalho, considerado herético, foi colocado no Index Librorum Prohibitorum, relação de livros condenados pela igreja católica.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 2 de agosto de 2016

DECÊNCIA FEMININA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Clemente de Alexandria (150-215), num tratado sobre as vestimentas das mulheres cristãs (Pedagogo, Livro II, 11), recomenda que se evitem apetrechos “supérfluos”, afinal, ele diz, “a Escritura declara que os supérfluos são do diabo”. Tingimento de cabelos, coloração dos olhos, da boca e da face, são alguns dos “supérfluos” citados pelo teólogo.

A prática do tingimento de roupas também recebe dura crítica: “o uso das cores não é benéfico, afinal não são úteis contra o frio”. O ideal, ele continua, “são as roupas brancas e simples”. As vestes, ele explica, servem unicamente para cobrir o corpo, jamais para serem admiradas. A base para tal ensinamento viria do profeta Daniel: “o Ancião sentou-se. Suas vestes eram brancas como a neve” (Dn 7,9). E finaliza: “as roupas que são como flores devem ser abandonadas”.

Por fim Clemente se debruça sobre o tamanho das saias das mulheres: “Não é conveniente ter o vestido acima dos joelhos, como, segundo dizem, fazem as moças de Esparta. Pois não é decoroso que a mulher descubra determinadas partes de seu corpo”. Tal modo de se vestir poderia despertar elogios embaraçosos, tais como “suas coxas são bonitas”. O rosto também precisa estar coberto com um véu, mas nunca de cor roxa, tonalidade que na opinião do teólogo “inflama os desejos”.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 28 de julho de 2016

LUTERO E SUAS 97 TESES CONTRA A ESCOLÁSTICA

Entre agosto e setembro de 1517 Lutero escreveu suas bem pouco conhecidas 97 teses contra os escolásticos (não confundir com as 95 contra as indulgências, publicadas em 31/10/1517). Nelas – principalmente as teses 37 a 53 – Lutero critica ferozmente Aristóteles (384-322 a.C.) e os teólogos escolásticos: 
41. Quase toda a “Ética de Aristóteles” é a pior inimiga da graça. Contra os escolásticos.
43. É um erro dizer que, sem Aristóteles, ninguém se torna teólogo. Contra a opinião geral.
47. Nenhuma fórmula silogística subsiste em questões divinas. Contra o cardeal Pedro d’Ailly.
49. Se uma fórmula silogística subsistisse em questões divinas, o artigo sobre a Trindade seria conhecido, em vez de ser crido.
As teses 47 e 49 revelam – com o perdão do anacronismo –  um Lutero “fideísta”, por criticar a possibilidade de uma exposição das verdades divinas em termos racionais. Em relação à tese 41 cabe uma explicação: Lutero considerava a Ética de Aristóteles (Nicomaqueia e Eudêmica) um obra pagã, uma vez que acentuava o papel das potencialidades humanas, suficientes para as virtudes. Tal conceito, usado por teólogos escolásticos como base para a ética cristã, era visto por Lutero como uma afronta a doutrina da graça.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 27 de julho de 2016

LUTERO: “ARISTÓTELES, AQUELE PALHAÇO!”

Hortus deliciarum
Diante da inquietante questão: “como alcançar a justiça diante de Deus?”, teólogos medievais foram buscar respostas na filosofia de Aristóteles (no habitus aristotélico). A solução encontrada: Deus infunde no fiel um “habitus” (hábito) sobrenatural que exige do indivíduo um esforço por torná-lo efetivo. Desse modo, quanto maior o esforço individual no exercício dos dons divinos, mais merecedor de graça será o fiel.

Isso explica a fórmula católica: "as obras cooperam com a graça". Lutero, grande crítico da teologia escolástica, chama Aristóteles de “aquele palhaço que, com sua máscara negra, enganou a igreja”. Em outro texto: “Aristóteles está para a teologia assim como as trevas estão para a luz” (97 teses contra a escolástica, tese 50). O reformador, como se vê, não tinha papas na língua. 

A imagem acima (hortus deliciarum) retrata a ascensão do cristão até Deus pela “escada das virtudes”. Se o esforço não é suficiente há uma solução: “quem cair pode retomar a escalada graças ao remédio da penitência”. A penitência e os demais sacramentos funcionavam como uma espécie tônico fortificante, capaz de infundir graça e virtude nos fiéis.  Daí a importância da missa: “domingo sem missa, semana sem graça”. Em suma: sem missa não há alegria; sem missa não há recebimento de graça, de virtudes capazes de ajudar o fiel em sua ascensão aos céus.  



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 25 de julho de 2016

SALMO ANATÔMICO (SL 38)

2 Sobre mim abateu-se tua mão,
3 Nada está ileso em minha carne...
Nada há de são em meus ossos...
4 Minhas iniquidades ultrapassam-me a cabeça,
7 Meus rins ardem em febre...
8 Meu coração rosna...
10 a luz dos meus olhos já não habita comigo...
13 como um surdo, não escuto...
17 estou a ponto de cair.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 21 de julho de 2016

RESPONDA HONESTAMENTE

Quando o assunto é o número de armas de fogo por habitante, os EUA são campeões. Em segundo lugar vem o Iêmen, um país mergulhado em tripas e sangue. Se liberarem as armas aqui no Brasil, você acha que ficaremos mais parecidos com os EUA o com o Iêmen?



Jones F. Mendonça

BETÂNIA, PARA ALÉM DO JORDÃO


Cristãos bizantinos acreditam que este é o local onde Jesus foi batizado por João Batista: “Betânia, do outro lado do Jordão, onde João batizava” (Jo 1,28).  Escavações feitas a partir de 1996 descobriram mais de 20 igrejas, cavernas e piscinas batismais que datam do período romano. A área, conhecida como Wadi Kharrar, fica na Jordânia.

Veja mais fotos aqui


Jones F. Mendonça

A HISTÓRIA DEUTERONOMISTA E OS REIS DE ISRAEL

Novo artigo no The Bible and Interpretation: “The Deuteronomistic History and Israel'sKings”, escrito por Alison L. Joseph, do Swarthmore College, Filadélfia: 
A perspectiva do Dtr [historiador deuteronomista: Js-Rs] é clara: o culto israelita deve ser centralizado. Desse modo, ele usa Jeroboão como uma ferramenta literária para construir uma imagem modelo para julgar os reis do norte. Como rivais ao trono de Davi, os reis do norte quase sempre são julgados negativamente: os reis maus são como Jeroboão. O padrão pelo qual eles são medidos tem pouco a ver com o seu comportamento mais abrangente como reis. O Dtr está preocupado com as suas ações a favor e contra o culto centralizado e a fidelidade ao pacto deuteronomista [culto a Javé e fidelidade à Lei]. Apesar do delito de outros reis – o esvaziamento do tesouro do templo (Jeoás, 2 Rs 12,18), a guerra contra o outro reino (Asa, 1 Rs 15,16), e até mesmo a idolatria (Omri, 1 Rs 16, 25-26) - para o Dtr Jeroboão permanece como figura do mal por excelência.

Jones F. Mendonça

IDEOLOGIA

O mesmo sujeito que pede o fim da ideologia na escola, defende o retorno da disciplina "Educação moral e cívica". Ora, o que é um livro de EMC senão ideologia da capa à contracapa?

A coerência tem caminhado aos tropeços.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O SERMÃO DO MONTE LUCANO

Bem aventurados são os miseráveis, os famintos, os que choram, os rejeitados, diz o sermão do Monte em Lc 6,20-22. Por outro lado, malditos são os ricos, os saciados, os que se deleitam no riso festivo, os que recebem as mais pomposas honrarias. Como entender o sermão do monte lucano?

Repare que após as bendições surge uma promessa: “no céu será grande a vossa recompensa; pois do mesmo modo seus pais tratavam os profetas” (v. 23). Em suma: são benditos porque sofrem com a injustiça, assim como os antigos profetas. Lucas identifica os oprimidos com os profetas.

Após as maldições surge uma advertência: “Ai de vós, quando todos vos bendisserem, pois do mesmo modo seus pais tratavam os falsos profetas” (v. 26). Em suma: são malditos porque são honrados como os falsos profetas. Lucas identifica os opressores com os falsos profetas.

Lucas até insere no capítulo 16 uma parábola que serve muito bem como ilustração para o sermão do Monte. Trata-se da parábola do rico e Lázaro. O mendigo é um despossuído (pobre), alguém que deseja comer das migalhas que caem da mesa (está faminto), que sofre em suas úlceras (tem boas razões para chorar) e que é desprezado pelos homens (é um rejeitado).

O rico, por outro lado, veste-se de púrpura e linho fino (é rico), tem diante de si uma mesa repleta de delícias (está saciado), regozija-se em uma vida cheia de requinte (sim, tem boas razões para rir) e goza de respeito entre os homens (é honrado).

O tema do “reverso da moeda”, da “recompensa futura como resultado do sofrimento presente” ou do “salário igual para trabalhos desiguais” aparece nos evangelhos com muita força em diversas parábolas. Quer mostrar que o Reino de Deus não é regido por critérios humanos. Não é Reino onde a honra é alcançada por méritos. É Reino onde o peão, pode virar patrão. A mensagem é tão desconcertante que a maioria dos sermões usa como base o texto de Mateus, que contém um sermão do Monte bem mais ameno. 


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O IRMÃO DO FILHO PRÓDIGO

Jacob Steinhardt, 1962
O capítulo 15 de Lucas conta a famosa parábola do filho pródigo. Talvez seja preciso lembrá-lo de que ela é contada para uma dupla plateia: fariseus e pecadores (15,1). O foco da parábola não é a natureza esbanjadora e irresponsável do filho mais novo (um típico pecador).  Tampouco a virtude do mais velho: justo, trabalhador, responsável e obediente (a imagem de um fariseu). Trata, todavia, do ressentimento do mais velho, orgulhoso de suas virtudes, sempre à espera de uma retribuição à altura de suas boas ações: “jamais transgredi teus mandamentos, onde está minha recompensa?” (Lc 15,29). Embora já tivesse tudo (v.31), via-se como um despossuído, como um injustiçado.

A reação do filho mais velho lembra o lamento de Jonas, indignado com o perdão divino concedido aos ninivitas: “Por isso fugi apressadamente para Társis; pois eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura, lento para a ira, e rico em amor e que se arrepende do mal” (Jn 4,2). Vivem repetindo por aí que Jonas fugiu por medo dos “terríveis ninivitas”. Não era por medo, era por orgulho, por indiferença, por falta de compaixão por aqueles que ele via como inferiores, como “gentalha”. Jonas queria mesmo é que o fogo descesse do céu e consumisse aqueles “pecadores dos infernos” (como Tiago e João em Lc 9,54).

Tanto o livro de Jonas como a parábola do filho pródigo sofreram uma adulteração perversa. Originalmente criticavam a arrogância dos religiosos (judeus exclusivistas do período pós-exílico/fariseus). Mas ambos tiveram suas mensagens convertidas em sermões moralistas. Jonas tornou-se o pregador virtuoso que anuncia a mensagem divina apesar da dureza de seu coração. O filho pródigo geralmente é evocado para destacar o sofrimento experimentado por aqueles que ousam desafiar as regras morais impostas pela religião.

Puseram tudo ao avesso.


Jones F. Mendonça