sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

MACABEUS, ESPORTES E PREPÚCIOS

Há, no livro deuterocanônico de 1 Macabeus (1,14-15), uma passagem muito curiosa:
Construíram [alguns judeus helenistas], então, em Jerusalém, uma praça de esportes, segundo os costumes das nações, restabeleceram seus prepúcios e renegaram a aliança sagrada.
Como assim “restabeleceram seus prepúcios”?

Expiando, no Google Livros, algumas páginas de “Amor e sexo na Grécia Antiga”, de Reinholdo Aloysio Ullmann (EDIPUCRS, 2007, p. 70), deparo-me com isto:
A infibulação, contrariamente à castração, era muito comum na Grécia. Puxava-se o prepúcio sobre a extremidade do pénis e era amarrado com uma corda. Qual a finalidade? Evitar que, nos exercícios de ginástica e congêneres, aparecesse a glande. Tal tipo de infibulação só podia ser ocasional e não permanente.
“Renegar a aliança sagrada”, para os tradicionalistas macabeus, seria algo parecido com a infibulação?


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

HOLOCAUSTOS

Um povo que foi subjugado tantas vezes (Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia...). Que lutou em tantas ocasiões por sua liberdade (Macabeus, Zelotes, Bar Kokhba). Que foi perseguido por suas crenças e por suas tradições na Europa cristã e nas terras sob domínio islâmico. Um povo que que foi moído pelas lâminas do nazismo...

Agora coloniza terras palestinas na Cisjordânia.
Converteu sua agonia na agonia dos outros. 



Jones F. Mendonça

O VATICANO E A EVANGELIZAÇÃO DOS JUDEUS

Boa parte da imprensa (UOL, Reuters, Exame, G1) noticiou que o Vaticano produziu um documento orientando os católicos “a não tentarem converter judeus”. Não é bem assim:
A Igreja, portanto, deve entender o evangelismo aos judeus, que acreditam no único Deus, de uma maneira diferente daquela direcionada àqueles que pertencem a outras religiões ou que tenham outras filosofias de vida.
Na verdade o documento não proíbe a evangelização, apenas orienta que isso "deve ser feito de uma maneira diferente". Sobre a salvação dos judeus "sem uma confissão explícita de Cristo", o documento diz que é "mistério insondável do Divino".

O texto guarda uma boa dose de ambiguidade. Leia-o na íntegra no site do Vaticano (em italiano):



Jones F. Mendonça

sábado, 23 de janeiro de 2016

FRAGMENTOS ESCATOLÓGICOS: CONSELHEIRO E TOURO SENTADO


Massacre de Wounted Knee
A proclamação da República, em 1889, foi vista por Antônio Conselheiro como a encarnação do próprio Anticristo. Em suas palavras: “o Satanás trouxe a República [mas] Belos Montes será o campo de Jesus... Os republicanos não devem ser poupados, pois são todos do Anticristo”. Como sabemos o movimento de resistência liderado por Conselheiro foi sufocado pelo governo na famosa “guerra” (ou massacre?) de Canudos.

Os Estados Unidos conheceram um fenômeno de resistência semelhante. Tudo começou com a crescente influência de um movimento religioso chamado “Ghost dance” (dança fantasma) entre os índios Sioux na Reserva Indígena de Pine Ridge (Dakota). Os nativos começaram a achar que suas seguidas derrotas para as tropas americanas deviam-se ao abandono dos costumes tradicionais. A solução: a rejeição dos costumes dos brancos e a luta armada. Acreditavam que em seguida os deuses criariam um mundo novo, o “paraíso das manadas de búfalos”. Mas a resistência sioux não acabou bem: Touro Sentado (visto como o líder da seita) foi morto e as tropas do governo massacraram os índios da reserva de Wounded Knee.

Esses dois movimentos estão repletos de pontos em comum: 1) fundamentação religiosa, 2) explicação do sofrimento a partir da ameaça da mudança dos costumes, 3) extermínio do inimigo para preservar os valores tradicionais, 4) anúncio da chegada de um reino escatológico, 5) florescimento na virada do século (final do século XIX). Minha pergunta: teria a religião sioux recebido influência do milenarismo cristão dos colonizadores (neste caso a virada do milênio teria desempenhado um papel importante) ou não há qualquer relação entre os dois fenômenos?


Jones F. Mendonça

domingo, 17 de janeiro de 2016

DAVI E BETSHEBA NA BÍBLIA MACIEJOWSKI

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Acima uma cena da história de Davi e Batsheba num manuscrito medieval, a Bíblia Maciejowski (1255, Paris). Como se pode ver, os monges não eram tão puristas como geralmente se pensa.

Cena 01: Davi dá ordens a um de seus servos para que traga Batsheba que está se banhando (com os seios à mostra) num cômodo à direita;
Cena 2: Davi (assanhadinho) no leito com Batsheba;
Cena 3: [se interpretei corretamente:] Davi enviando Urias ao campo de batalha.

Mais imagens da Bíblia Maciejowski aqui.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MARCHA TURCA, INFLUÊNCIA OTOMANA (SONATA K331)

O vídeo mostra a execução da “marcha turca” (Alla turca) de Mozart nos dedos nervosos de Olga Jegunova. Trata-se de belo um exemplo da influência da música militar otomana (dos janízaras) na música clássica europeia.




Jones F. Mendonça 

SOBRE A ESSÊNCIA DAS RELIGIÕES

Leio neste dia chuvoso: “O império Otomano: das origens ao século XX”, de Donald Quataert. Lá na posição 340 (leio no Kindle), ele explica que o sistema político dos otomanos, classificado por ele como “multiétnico e multirreligioso” 
exigia [...] a proteção dos súditos no exercício de sua religião, fosse ela o islamismo, o judaísmo ou o cristianismo, de qualquer vertente – sunita ou xiita, ortodoxa ou católica grega, armênia ou síria. Este requisito baseava-se no princípio islâmico da tolerância (grifo nosso) com os "povos do livro", isto é, os judeus e os cristãos.
Mas ainda há quem insista que o islamismo é, “em essência”, uma religião violenta e intolerante. Ainda não entendeu que as religiões dançam conforme a música (na verdade, conforme o compasso do maestro).



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

AGOSTINHO AOS DONATISTAS: SE NÃO VÊM PELO AMOR, VIRÃO PELA DOR

Deparei-me hoje com uma carta de Agostinho de Hipona escrita no início do 5º século. Atormentado pela insubmissão dos donatistas (seita cismática fundada por Donato, bispo da Numídia), Agostinho acaba concluindo que medidas mais duras devem ser tomadas no combate à heresia: 
Na verdade, é melhor que os homens sejam levados a adorar a Deus através do ensino que por medo da punição ou da dor. Mas [...] muitos só são alcançados quando compelidos inicialmente pelo medo ou pela dor, para depois serem influenciados pelo ensino (Carta 185,6,21). 
A inspiração vem de Pv 23,14, citado na carta logo a seguir: 
“Quanto a ti, deves bater-lhe com a vara, para salvar-lhe a vida do inferno”[1].
(Na vulgata: tu virga percuties eum et animam eius de inferno liberabis)
Teria vindo dessa carta de Agostinho o famoso provérbio popular: “Quem não vai a Deus pelo amor, vai pela dor?”

Nota: [1] No texto hebraico “sheol” é mundo dos mortos e não inferno. A mensagem do provérbio é clara: “a vara não mata” (v. 13), mas, pelo contrário, “livra a néfesh (=vida) do sheol” (=da morte, cf. v. 14)”.  



Jones F. Mendonça

sábado, 9 de janeiro de 2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SELO DE EZEQUIAS

Em dezembro de 2015 a universidade Hebraica de Jerusalém anunciou a descoberta de um selo em Jerusalém contendo a inscrição "Ezequias, filho de Acaz, rei de Judá". Embora outros selos semelhantes já tenham sido encontrados, este foi o primeiro descoberto por uma equipe de arqueólogos profissionais.

No selo aparecem dois símbolos egípcios bem conhecidos: um Ankh e um disco solar. A flor de lótus é outro símbolo que também aparece em selos do rei judaíta. Você pode estar se perguntando: “o que esses símbolos religiosos estrangeiros estão fazendo num selo israelita?”

Aos interessados no tema, vale conferir esta matéria publicada no Haaretz, assinada por Julia Fridman, com a colaboração do epigrafista Christopher Rollston, da Universidade George Washington.



Jones F. Mendonça

SOBRE JUDEUS, SULTÕES E PAPAGAIOS DE PIRATA

Quando os judeus fugiram da inquisição espanhola, no final do século XV, foram recebidos e protegidos por Bayazid II, sultão (ou califa) do Império Otomano. Aliás, o sultão fez questão de dizer que a Europa cristã estava perdendo gente de primeiríssima qualidade.

Qual a importância disso? Quando alguém vier com essa conversa de que os judeus são inimigos eternos dos muçulmanos, peça licença e saia de fininho, porque esse sujeito é um papagaio de pirata dotado de bico, penas e chapeuzinho com ossos.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O SALTÉRIO STUTTGARTER E OS TUMORES DE JAVÉ


Por mais estranho que possa parecer, esta pintura ilustra o Salmo 78,66 num manuscrito medieval (Saterio Stuttgarter), produzido na França do século IX.

Eis o que diz o salmo: "Deus [...] feriu seus opressores pelas costas e para sempre entregou-os à vergonha". 

O "pelas costas" possivelmente se refere aos "tumores" (interpretados como hemorroidas) citados em 1Sm 5,6.9. 

O que se lê, em latim, acima da imagem, é: "obprobrium sempiternum dedit illis" (entregou-lhes ao opróbrio perpétuo). 


Jones F. Mendonça

UMA BORRACHA NO SALTÉRIO STUTTGARTER


Esta pintura enigmática ilustra o Salmo 16 no Saltério Stuttgarter, manuscrito medieval do século IX. A ilustração não tem nenhuma relação aparente com o Salmo ou qualquer outra cena das Escrituras. Note que no centro da imagem alguns traços foram cuidadosamente apagados a fim de tornar a cena menos escandalosa.

Dê uma boa espiada no Saltério Stuttgarter aqui


Jones F. Mendonça

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A IGREJA, O IMPÉRIO E OS JUDEUS

Nesta pintura, de Camilo Procaccini (séc. XVI), Ambrósio, bispo de Milão, impõe-se diante do imperador Teodósio I, após ter ordenado um massacre na cidade de Tessalônica em 390.

A atrito ocorreu poucos anos após Teodósio ter assinado um Édito tornando o cristianismo a religião oficial do império. O imperador cedeu às pressões da igreja, vestiu-se com saco de penitência e foi perdoado.

O fato dos judeus não terem a mínima intenção de abandonar a sua fé e seguir a religião oficial do império causou descontentamento em muitos cristãos. No final de 388 cristãos fanáticos atearam fogo numa sinagoga na cidade de Calínico, na Mesopotâmia.

Teodósio instruiu os líderes cristãos a reconstruírem a sinagoga e a punir os incendiários. Ambrósio não gostou e saiu-se com essa: 
Não é adequado que pessoas sejam punidas com tanta severidade pela queima de um edifício, e muito menos pela queima de uma sinagoga, uma casa de incredulidade, uma casa de impiedade, um receptáculo de loucura, que até Deus tem condenado (Epístola 40,14).
A postura de Ambrósio marca tanto o início do antijudaísmo eclesiástico como da intromissão da igreja nos assuntos pertencentes à esfera política, julgando as ações dos poderes públicos.



Jones F. Mendonça

GEOGRAFIA EM ATOS [MITILENE E ASSOS]

Ao fundo a cidade de Mitilene (na ilha grega de Lesbos) a partir de Assos (na atual Turquia), conforme At 20,14:
Quando [Paulo] nos alcançou em Assos, recolhemo-lo a bordo e prosseguimos para Mitilene.




Jones F. Mendonça